"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

Prefácio - Manoel do Carmo.

Fui incumbido de realizar uma tarefa, misto de satisfação e desafio. Satisfação sem igual de elaborar o prefácio da obra do meu amigo Alexandre Rocha, e desafio, pelo simples fato de me achar distante de poder corresponder às expectativas de leitores mais exigentes. Então me proponho aqui a ser no máximo um mateiro, um mero abridor de picadas.

O termo prefácio vem do latim prae (antes) e fatio (dito), ou seja, aquilo que é dito antes. Em um contexto mais lato, antes das cerimônias sagradas costumava-se pronunciar uma fórmula a qual era chamada praefatio sacrorum que poderíamos traduzir como prefácio sagrado. Diante disso, sou aquele que versará sobre o “antes do dito”.

O conteúdo do livro Minha Verdade sobre o Dízimo, é no mínimo instigante e direcionado àqueles que desejam sair da superfície sendo convidados a se abismarem nas águas profundas de cosmovisões mais ousadas.

O que o leitor se deparará nas próximas páginas será algo tão inusitado que não corresponderá a nada do que já foi escrito, pensado e repensado anteriormente por teólogos de linha tradicional que exauriram o tema “malhando em ferro frio” e se perderam no cipoal da mesmice, caindo na vala comum da mediocridade de intérpretes que elaboraram suas teses embasadas no lado ocidental protestante evangélico.

Quando me chegou às mãos o texto de Alexandre Rocha, minha visão pessoal sobre o assunto, como que expandiu em mil novas compreensões. Via o dízimo como uma sombra que apontava para um conceito mais amplo quando desembocava nas águas do Novo Testamento. O dízimo, no contexto do Antigo Testamento a meu ver, era ação litúrgica, fazendo parte da adoração da família na comunidade, e o israelita que separava a décima parte do que possuía, tinha a garantia de promessa de benção e prosperidade em todos os seus caminhos. Quando o povo de Deus transita para o Novo testamento e se torna Corpo Vivo de Cristo, a Igreja, a partir daí, amplia-se o conceito de mordomia, revelando que na comunidade da graça, a contribuição agora extrapola o preceito dos dez por cento da renda para a consciência amadurecida do cuidado sensível com os necessitados, baseado na inteireza do coração e movido pela generosidade espontânea de se doar. A mordomia cristã se enraíza na filosofia de vida consensual do “não havia nenhum necessitado entre eles”. Hoje o cristão pode dar o dízimo, porém, a nova realidade baseada no espírito de Jesus e Seu Evangelho, é que entregando toda a vida a Ele, sem dicotomias ou departamentalizações, consequentemente também, vamos dar cem por cento dela nos dispondo a viver em função do Reino e da necessidade dos irmãos nele inseridos.

O livro Minha Verdade sobre o Dízimo, no entanto, dispõe de lentes de aumento muito mais possantes que enquadram no visor do telescópio da teologia uma cosmovisão dilatada de novas percepções para além de compreensões pós-modernas intricadamente elaboradas, porém destituídas da hermenêutica depurada baseada na essência do Evangelho e da exegese certeira que decodifica o sentido original do tema. Assim, Alexandre Rocha abre mão das fontes insalubres da vala comum, indo fundo na busca das origens do dízimo nas fontes insofismáveis do judaísmo primitivo, garimpando o que é essencial e expurgando as escórias dos acréscimos humanos de interpretações pré-fabricadas.

Na concepção do autor, o estudo do dízimo, conforme a lei do Pentateuco com seus preceitos sacerdotais, ritos sacrificiais e a história realista dos patriarcas do Antigo Testamento, sempre deixou de ser lei obrigatória para se tornar liturgia da família, uma expressão de retribuição grata e não forma de pagamento compulsório. Isso é normativo para todos. Deixa de ser preceito pesado para se tornar adoração criativa e sacramento vivencial. Deixa de ser devolução, para ser ato de devoção quebrantada.

Querer entender a filosofia do dízimo sem ter a verdadeira compreensão da história de Deus e de Seu povo como fonte primária para qualquer pesquisa mais apurada, será um conceito que jamais chegará a ser assimilado em sua totalidade.

Dar o dízimo ou contribuir para uma causa qualquer sem amealhar a importância da trajetória da família dos patriarcas do Antigo Testamento, sem entender seus dramas e tragédias como formas redentoras de intervenção divina, desviará a rota do que é indispensável, para se perder em um labirinto de ideias aleatórias.

Para melhor entendimento do que seja o dízimo, precisamos aferir o valor inestimável que as tragédias, as obstinações, as animosidades, as lutas internas e as dores dos sofrimentos advindos da decepção agregam para o aperfeiçoamento da família, elementos que fazem parte integrante do ambiente humano, mesmo sendo povo de Deus, ingredientes que Ele se utiliza para trabalhar em seu canteiro de obras na preparação para a eternidade. Até os desvios encetados pela ganância e pelo hedonismo no meio familiar devem ser compreendidos com bom discernimento para avaliarmos a diferença sutil entre liberdade e liberalidade, ou acabaremos por nos atascar nas areias movediças da libertinagem inconsequente.

Ser protagonista da tragédia humana significa também participar da preservação do núcleo familiar por um Deus zeloso que leva a família a sério. Se não obtivermos esses lampejos de novas compreensões, vamos acabar entendendo o dízimo de forma rasa, tornando assim sua observância em algo inútil e sem sentido.

O autor mostra em sua obra que se não entendermos o dízimo sem o apelo social que sua origem etimológica encerra (“dízimo” em hebraico é “maasser”, seu significado espiritual é “a transformação que vem do olhar benevolente para com o necessitado”), a ação de se mover em direção ao carente, observá-lo não tem força de argumentação para subsistir.

Enfim, o livro pode ser altamente incitante. Alexandre Rocha escreve rematando suas palavras no espaço luminoso do monitor com a objetividade de exímio esgrimista que desfecha golpes certeiros de lucidez e agudeza encetando no campo livre das letras uma narrativa histórica filosófica profunda, porém, de grande teor pragmático, traços definidos e bem delineados que trazem nova luz sobre o dízimo de forma tão vívida e atraente que vai levar o leitor a não parar de ler até a última linha da última página.


Manoel do Carmo.
Teólogo, líder da Comunidade Cristã AbrigoR15, cartunista e blogueiro.

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