"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

PACIÊNCIA PARA TUDO, ATÉ PARA PARTIR.

Hoje foi um dia amargo. Não ruim, amargo. Minhas angústias afloraram como nunca antes haviam, fui tomado por um profundo sentimento de abandono, em certos momentos o sufoco atrapalhou até engolir. Porém, por mais estranho que sejam essas manifestações caóticas na vida de um pastor, elas são corriqueiras na vida de todos os pastores, na vida de todas as pessoas. Apenas alguns identificam seus sentimentos e os aceitam como sendo naturais, outros apontam a causa do seu mal estar ao diabo, outros aos atropelos da existência.

Em prece, desesperada ao meu DEUS, agarrei-me a tudo que aprendi e ensinei, a tudo que busco viver e ensinar viver e parti caminhando pela cidade. Fui até onde a resistência me deixou ir, retornando ao estado de quietude que me encontro agora.

Paciência é a palavra de ordem dos céus. Paciência.

Tenho um trocadilho interessante para o termo “paciência”, que acaba me “contaminando” por inteiro. É assim: “PAZ” + “CIÊNCIA”.

Ou seja saber o que me acontece, em paz. Estar em paz diante de tudo que me acontece agora, nesse momento que chamo hoje. Não vejo de outra forma (...). Preciso entender o que me acontece, porque acontece, e para que acontece. Tendo sempre em mente que o ETERNO meu DEUS, está no comando.

Mas como diz a música: “fácil de falar, difícil fazer”.

SABER em PAZ o que ocorre no meu ciclo de vida me acalma, me dá tranquilidade para não roubar do ontem seus votos, nem do amanhã as possibilidades. Exercitar a PAZ por meio da CIÊNCIA (conhecimento), me deixa tranquilo.

No mais, agradeço aos telefonemas, aos conselhos “in box”, aos apelos, aos apoios. Sou assim, como diz uma amiga: “transparente”. Foi nisso que me tornei, um ser transparente.

Ainda não consigo viver no estágio do apóstolo Paulo, que se alegrava nas angústias, pois elas desembocariam na certeza do amor. Estou caminhando (...). Não sem em que parte do caminho estou, mas estou no caminho, isso é o que importa.


DEUS NOS ABENÇOE.

MAIS GENTE E MENOS DEUS

Na caminhada para o “outro lado”, não me esquivo de compartilhar meus sentimentos, reações e “outras coisas” com meus amigos, seja por qual meio seja. Já que faço parte de uma “rede social”, de amigos que me leem e se dividem comigo, nada mais natural, se assim não fosse não faria parte de uma (...). Simples assim. Porém não tenho “problemas” com os de minha “lista de amigos” que não se compartilham com os outros por esse meio. Simples assim, também.

Seguindo o veio da prosa (...), postei há uns meses atrás que novos ventos estão sendo soprados sobre mim. Quem me sabe, sabe um pouco pelo que passo, mas somente uns pouquíssimos, pouquíssimos mesmo, sabem um tanto mais (...), porém só eu sei da profundidade das minhas angústias, incertezas e crises existenciais. Só DEUS sabe tudo, até o que nem eu mesmo sei de mim.

Dos pouquíssimos que sabem ou percebem pelo que passo, está minha mana caçula. Querida e silenciosa amiga, que me olha alma e me entende por sermos bastante parecidos. A década que nos separa a existência nada mais representa diante de tudo que passamos, especialmente a morte de mama Ruth. Nossa solidão existencial tão própria e que nos diferencia nos identifica pelo olhar. Aprendemos a ver a alma um do outro pelo olhar o outro; isso papai nos ensinou.

***

Hoje eu queria morrer. Queria passar para o outro lado, passar “dessa pra melhor”. Não estou sendo dramático ou “seja lá o que for”, estou apenas abrindo a alma. Não irei tirar-me a vida, nem correrei riscos desnecessários, nem colocarei minha existência em perigo. É apenas um desejo. Dormir e não acordar mais. Posso estar sendo fraco (...), os que professam uma religiosidade cega podem me achar um pastor desqualificado (...), DEUS tenha misericórdia (...). Tânia me disse por meio de um texto, hoje logo cedo que preciso saber distinguir entre desejo e felicidade. Respondi-lhe que não sei o que sinto quanto aos temas propostos, só estou cansado de existir assim como sou.

***

A vida é cíclica. Somos seres ternários. Três dias, o processo de fecundação; três meses o coração se forma e bate; seis meses já podemos nascer – se for preciso; nove meses raiamos para iluminar a vida; três anos nossos primeiros passos; (...). Essa semana um ciclo de 30 anos precisa se completar na minha vida, acho que é isso que tem me angustiado a alma por todo esse tempo.

***

Durante as duas semanas que me hospedei na casa da mana Tânia, aqui em Manaus, fui presenteado com sua silenciosa compreensão de quase tudo que atravesso (...). “Mano, assiste esse vídeo: ‘Eu Maior’”. Espetacular, elucidativo, instigante, desaquietante para alguém que sempre muda, que sempre busca sua transformação. Que nem eu. Vários depoimentos estão me transformando o entendimento da existência, estão “bagunçando” com minha vida, desestabilizando minha alma, me confrontando com quem eu sou e com quem me tornei, e com quem querem que eu seja.

Não tenho muito a acrescentar...

Mas hoje tenho a plena certeza, estou me tornando mais gente e menos Deus.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte VI

As diversas traduções mudam totalmente o entendimento de alguns fatos e ditos bíblicos. Isso sempre complica a vida do lado de fora das páginas bíblicas, onde o “sol quente” da realidade esquenta cada dia mais a existência; isso porque muitos têm a necessidade de uma referência literal para “tocarem a vida”, e como as realidades entre os – muitas vezes – nublados acontecimentos bíblicos e os iluminados atos da vida diária não se podem comparar de forma alguma, tudo se complica. Devido a essas questões, vou tratar propositalmente o verso 6 da carta de Paulo aos coríntios tendo como base a versão da Bíblia Judaica Completa de David H. Stern, publicada pela Editora Vida em 2009.

“O amor não tripudia sobre os pecados das pessoas, mas se deleita na verdade;” I Coríntios 13:6 (texto extraído da versão “Bíblia Judaica Completa”)

Paulo faz uma afirmação bastante séria. “O amor não tripudia sobre os pecados” alheios. No texto passado, escrevi: “(...) entregue a DEUS esse ente que você acha que lhe trai, não carregue em si o que lhe mata, a dor, o dissabor, a angústia, o ódio, a suspeita, a irritação, a desgraça, a tragédia. Entregue a DEUS a possibilidade de lhe vingar, se esse for o caso. Mas saiba de uma coisa, ELE só aceitará essa entrega para vingar-lhe, se ela for feita em amor.”. Normalmente quando o ente que achamos que amamos, “apronta” conosco, queremos que Deus o castigue de qualquer forma; e muitas pessoas passam a viver na “janela” da existência olhando a “rua” para ver se esse que lhe causou tal dor, cai, tropeça, se arrebenta com a boca no chão. O prazer desses é dizer “peeeeegggaaa!!!”, ou então, “bem feito, achei foi pouco...”; e passam a tripudiar – humilhar e escarnecer, chegam quase a dançar de alegria pela “desgraça” alheia. Outros, diante dos fatos trágicos que ocorrem com o desafeto – antes ente amado – sentem-se vingados.

Mas nada disso tem a ver com amor, é só vingança, pura e simples vingança. Até porque, o amor não tripudia, não se alegra, não gosta de ver humilhado, não se satisfaz com a “queda” daquele que um dia lhe causou dor – até porque ama.

Um dos escritos de sabedoria dos judeus, “A Ética dos Pais”, alerta contra esse tipo de comportamento vingativo e tripudiante: “Shemuel HaCatan disse: Não te alegres quando teu inimigo cai, e em seu tropeço não permitas que teu coração se exalte, para que Deus não o veja e Se desagrade, e desvie Sua ira dele [contra ti].” A Ética dos Pais 4:19.

O amor “não” se alegra em vingar-se. Se isso acontecer, tenha certeza, você não ama.

Pare, e pense um pouco no que você sente, se seus sentimentos estiverem em desacordo com os ditos bíblicos, saiba, VOCÊ NÃO AMA. NUNCA AMOU. Pode ter outros sentimentos, como desejo, prazer, sentimento de culpa, desejo de posse, sentimento de propriedade (...), qualquer outro sentimento, mas nunca amor.

Finalizando, Paulo diz que o amor “se deleita na verdade”. Deleite é prazer íntimo, suave e pleno. Sentimento de completude diante de si mesmo, diante dos próprios sentimentos. Deleitar-se é estar tranquilo diante do espelho, em paz consigo mesmo.

Verdade, ao contrário do que a ordinariedade ocidental conceitua, nada tem a ver com o explicitar repetitivo e extenuante, com a necessidade de ser convencido daquilo que se nos apresenta. Verdade nada tem haver com o que nos falam ou com o que falamos, verdade tem a ver com nossa forma de ouvir. Verdade tem a ver com a liberdade de deixar o outro dizer aquilo que lhe seja verdade, sem que entremos em crise existencial por acreditarmos que “aquela verdade”, nada tem de verdade, mas sim, tem a ver com a “mentira” que achamos que é. Ou seja. Verdade é a liberdade que damos ao outro de ser quem ele é, de falar o que desejar sem a necessidade de provar nada para nós.

Verdade é a liberdade de se ser quem se é. Se o que somos não coaduna com o que temos, devemos agir com honestidade – como já conceituei – e libertar-nos da desconfiança (...).

O amor verdadeiro, tem sua felicidade tranquila e íntima por simplesmente saber que ama, não importando a quem ama. Como já disse, amor é via de mão única; quem ama, ama. Não precisa ser amado para amar. Estranho, mas verdadeiro – e por ser essa afirmação a minha verdade, você pode discordar dela.


Nele, que nos ama, sem nada pedir em troca.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte V

... e Paulo continua dizendo o que não é amor e insinua o que pode ser amor. Ele diz que o amor:

“Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;” I Coríntios 13:5 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel)

Novamente o apóstolo inicia afirmando que o amor “não é”. Não é indecente, não é interesseiro, não é irritadiço e não “suspeita mal”; ou seja, nos dias de hoje, com base nas afirmações do apóstolo, seria fácil dizer que: “quem ama é leso.”.

Para podermos entender o que Paulo está dizendo, precisamos conhecer um pouco, minimamente, dos significados dos termos usados.

O amor não é indecente. Decente é aquele que possui decoro, que é honesto; por sua vez, aquele a quem faltam essas qualidades é indecoroso – obsceno – desonesto. Me salta aos olhos o termo “honesto” e seu antônimo, “desonesto”. O que seria a honestidade?

Honestidade pode ser manifesta por meio da satisfação com o que fazemos. O Rabino de Lizensk dizia que: “Quando uma pessoa deixa de ficar satisfeita com seu negócio ou com sua profissão, é certamente um sinal de que não o está conduzindo honestamente.”. Essa definição de honestidade se aplica em todas as outras áreas, principalmente nas relações afetivas. Amamos quando estamos plenamente satisfeitos na e com a relação; satisfeitos com nosso parceiro ou parceira; caso isso não esteja acontecendo e a relação persista, estamos sendo desonestos, ou seja, indecentes.

Mas com quem estaríamos sendo indecentes – desonestos? Em primeiro lugar conosco mesmo e depois com quem nos acompanha. Essa falta de satisfação é o que Paulo chama de “amor” não decente.

Paulo continua sua definição de amor, dizendo que ele, o amor, não é interesseiro – “não busca os seus interesses”. Essa segunda “definição” está intimamente ligada à primeira; isso porque quando o amor é honesto, ele também é desinteressado. Esse interesse próprio, tem a ver com a auto satisfação, o “primeiro o meu, depois o teu”. Amor desinteressado abre mão do parceiro ou parceira insatisfeito por saber que não vale a pena ser egoísta. Quem ama, ama.

Esse “abrir mão”, não causa irritação, não frustra, não gera impaciência. É estranha essa definição de amor do apóstolo; um negativo positivo que define o maior sentimento do mundo.

Suspeitar, supor, pressentir, prever, desconfiar – mal, de quem divide a vida conosco não é ato de amor. Mas ser leviano, imoral, aproveitando-se da credulidade do ente que conosco divide a vida também não é amor. Nessa guerra entre prever a traição e trair, aquietar parece ser a única alternativa, já que o amor é um “leso”, dá a cara a tapas, anda a segunda milha, entrega o que lhe resta...

É no discurso de Paulo aos romanos, que encontramos a solução para essa guerra infindável entre traidores e traídos. Diz assim o texto:

“Portanto, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus. Paremos, então, de julgar os outros! Em seu lugar, façam este julgamento: não ponham uma pedra de tropeço, nem uma armadilha no caminho de seu irmão.” Romanos 14:12 e 13.

Em outras palavras: “acredite” na lorota do ente que lhe mente, deixe que ele se entenda com o ETERNO, Senhor de todos. Entregue a DEUS esse ente que você acha que lhe trai, não carregue em si o que lhe mata, a dor, o dissabor, a angústia, o ódio, a suspeita, a irritação, a desgraça, a tragédia. Entregue a DEUS a possibilidade de lhe vingar, se esse for o caso. Mas saiba de uma coisa, ELE só aceitará essa entrega para vingar-lhe, se ela for feita em amor.

***

Existe uma historieta própria dos quarteis. “Um comandante disse aos recrutas que iriam tirar serviço naquela noite: ‘Recrutas, aquele que for pego dormindo em serviço será preso! Portanto, não parem, pois quem para, encosta, quem encostar, senta, quem sentar, deita, quem deitar, dorme. Então, não parem!’.”

Creio que a mesma máxima pode ser aplicada na afirmação de Paulo sobre o amor. Acho que ficaria mais ou menos assim: NÃO JULGUE, PORQUE QUEM JULGA, SUSPEITA MAL, QUEM SUSPEITA MAL, SE IRRITA, QUEM SE IRRITA, É EGOÍSTA – SÓ BUSCA SEU PRÓPRIO INTERESSE, QUEM É EGOÍSTA, NÃO É HONESTO – DESCENTE, QUEM É DESONESTO – SE PORTA COM INDECÊNCIA, NÃO AMA!

Acho que é assim. Simples, assim.

Em silêncio ...


Nele, que a ninguém julga e a todos ama.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte IV

Na noite do dia 9 de setembro, gastei um bom tempo bom, com um casal de queridos. Queria lhes falar da minha preocupação de que não cometessem os mesmos erros que cometi em relação ao amor, mas fui surpreendido por situação inusitada: apaziguar o amor deles. Jovenzinhos em pé de guerra, por não compreenderem o que sentem, amam-se, mas não entendem ainda esse tão grande amor que os une. E eu no meio do meu mar existencial, tentando entender o que é o amor; diante da vida sofrendo, chorando e esparramada no chão (...), me vi apaziguando esses queridos (...); Deus tem cada uma...

A antítese das afirmações que o Apóstolo Paulo faz desse verso quatro em diante são assustadoras.

“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.” I Coríntios 13:4 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel)

Como pode um ser que sofre ainda ser benigno? Como pode um ente que sofre por amar não invejar o “não sofrer” de outras pessoas que lhe cercam? Como pode quem sofre não agir ou julgar irrefletidamente, não ser irresponsável com as consequências de sua dor? Como explicar não usar da soberba moral para justificar esse sofrer? Isso é antitético, esse proceder amalucado de amor está fora do lugar comum.

O sofrimento, esse sentimento que levamos sempre para as questões afetivas, pode também ser oriundo de uma dor moral. No campo dos relacionamentos a dor moral muitas vezes causa mais sofrimento que o sofrimento por amar. Somos animais morais e temos uma cartilha de condutas morais, moralistas e moralizantes. Agimos com leviandade quando, segundo definição do Aurélio, julgamos de forma irrefletida, inconsequente, com uma moralidade exacerbada aquilo que acontece conosco no campo das relações afetivas. Nos julgamos imorais por amar como amamos, nos julgamos inconsequentes por sentir o que sentimos, por quem sentimos. Mas também julgamos por achar que nosso ente amado não nos ama como nós o amamos; é inconsequente julgar o ente amado só por não percebermos o mesmo tipo de amor; é imoral julgar o ente amado só por ele nos amar livremente e talvez, nós, aprisionadamente (...).

É preciso ter sempre em mente que nossa moralidade pode ficar adoecida por ditames sociais, culturais e religiosos, essa exageração moral nos faz sofrer sem que nada se aproveite de concreto desse sofrimento. Sofremos moralmente por não deixarmos de amar quem amamos e como amamos, sofremos inconsequentemente por amar quem achamos que não merece nosso amor. Se é assim, então a moralidade não é amor, nem consequência dele (...).

Rabi Bonder diz em seu livro “A Alma Imoral”:

***
"A experiência humana é marcada pela alternância de estados despertos e de torpor. Construímo-nos a partir dos acampamentos que fazemos e do levantar dos mesmos. Mas o rabi Nahum quer frisar a importância de se “horrorizar”, que é um dos sinais de percepção dos lugares estreitos. Quem não se horroriza perde a capacidade de detectar a estreiteza. Nossa insensibilidade se beneficia daquilo que não rompe, das ditas “boas ações” que não ferem os códigos da moral animal. Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe em nós uma tendência de querer agradar a nós, aos outros e à moral de nossa cultura.

Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos. E o despertar é a capacidade de perceber situações horríveis em nossas vidas, tanto no plano particular como no social e cultural. Desse horror surge uma nova forma de ser, uma nova forma de “família”, uma nova forma de “propriedade” e uma nova forma de “tradição”. A imutabilidade do ser e da família, da propriedade e da tradição é a proposta desesperada de negar a natureza humana, que é mutante e requer novas formas de “moral”.

Entre uma moral e outra o ser humano volta a se despir e, desperto, se recorda de sua alma. A esse despertar se referia o maguid de Mezeridz: “Um cavalo que se sabe cavalo não o é. Este é o árduo trabalho do ser humano: aprender que não é um cavalo.”

A alma se faz perceptível no despertar e no horror. Em ambos os casos ela se volta para a reconstrução do passado. Para este, por sua vez, ela é sempre imoral e perigosa."
***

Esse exercício comum da moralidade hodierna nos leva ao lugar comum dos sofrimentos sacrificiais. Porém o exercício da imoralidade que rompe as barreiras do útero moral é onde o amor pode ser encontrado como uma nova forma de tradição, como um novo parâmetro, como uma nova forma de ver e viver a vida. Romper com os laços da ordinariedade hodierna não é fácil para ninguém, da mesma forma que ser sofredor e bondoso também não é. E a esta segunda afirmação, Paulo chama de amor.

O amor não é invejoso. O amor não se sente desgostado pela felicidade do ente amado em seus voos livres; o amor não se torna violento desejando possuir a todo custo a liberdade do ente amado; essa inveja da liberdade alheia pode ter se originado na falta de coragem de se lançar num voo livre dos conceitos morais circunstanciais e por vezes desgastantes.

O Apóstolo afirma categoricamente que o amor é o lugar das antíteses: sofrer mas ainda assim ser bondoso; sofrer mas ainda assim não sentir inveja de quem não sofre; sofrer mas não julgar nada nem ninguém – muito menos a si mesmo; sofrer e não se gabar por estar sofrendo de amor.

Aqui, começo entender o que é amor, o que é amar; é o sentimento antitético que denuncia quem ama como um bobo, um leso, um desprovido de amor próprio, um apaixonado inveterado, um “qualquer coisa” por amor. Creio assim, porque sofrer e ser bom, é só pra quem ama.


Nele, que tornou-se imoral, por amor ao imorais.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte III

Nasci dentro de um lar religioso. Meus pais sempre foram ligados à religião, às doutrinas batistas mais especificamente. Cresci ouvindo mama Ruth – de abençoada memória – dizer: “amar se aprende”. Cresci ouvindo isso e tentei aprender durante toda a minha vida, mas acho que não consegui. Não sei como aprender a amar, sei amar, mas não sei aprender como amar (...). Vi dentro de casa fortunas de vida distribuídas em favor dos pobres de amor; assisti o sacrifício pirotécnico do entregar o corpo para ser queimado por amor ao amor que se queria amar. Nunca consegui chegar a esse nível de altruísmo (...). Paulo diz no verso três de sua carta que nem os maiores sacrifícios em prol de outras pessoas se aproveita como prova de amor.

“E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” I Coríntios 13:3 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel).

O maior de todos os atos de justiça – tzedakah –, abrir mão da fortuna pessoal em favor de alguém necessitado não é ato de amor, é apenas ato de misericórdia – misericórdia não é amor. Mesmo que em um ato de extremo altruísmo, se morresse da pior maneira possível, afogado ou, como sugere o texto, queimado – e ainda voluntariamente –, tal ato não seria amor, seria somente um mero sacrifício; de nada se aproveitaria. Sendo um simples e reles sacrifício para nada se aproveita, para nada presta, para nada serve. Tal ato não se aproveita pois o ente que ama e se sacrifica deixa de existir para o ser que lhe ama e que precisa de sua companhia, de sua existência. Amor queimado vira cinzas e para nada presta. Dar tudo de si para os outros também não se aproveita como ato de amor, já que descuidou de quem lhe está próximo, descuidou do seu amor – por si e pelo ente amado. AMOR NÃO PRECISA SE SACRIFICAR, AMOR SÓ PRECISA AMAR.

Tenho lido e meditado na sabedoria espiritual contida no livro do Rabino Nilton Bonder, “A Alma Imoral”, nele o Rabino declara:

***
“Sacrificar para quê?

Perguntaram ao rabi Bunam: “O que quer dizer com a expressão ‘sacrificar para ídolos’? É impensável que alguém realmente venha a fazer sacrifícios para algo que entenda como um ídolo!” O rabino respondeu: “Vou lhe dar um exemplo. Quando uma pessoa religiosa ou um justo se senta à mesa junto com outras pessoas e tem o desejo de comer um pouco mais, mas se restringe por conta do que os outros podem vir a pensar dele – isto é sacrificar para ídolos!” (Buber, Late Masters, p. 256)
O ENSINAMENTO COMEÇA COM O questionamento da lógica da expressão “sacrificar para ídolos”. Se percebemos que são ídolos, ou seja, vazios e ilusórios e sem qualquer significado real, como é possível fazer “sacrifícios para ídolos”? A resposta do rabi Bunam é de que fazemos isso com mais frequência do que imaginamos em situações em que acreditamos existir qualquer virtude ou ganho possível por conta de condutas ou posturas que representem sacrifícios ao nada. E quantos de nossos esforços e sacrifícios são, na verdade, “oferendas” ao nada? Quem precisa de nossas restrições ou de nossas abstinências? Por acaso D’us precisa de nossos atos “morais” que visam a ocultar nossa nudez? Por acaso D’us não percebeu de imediato que Adão havia comido da árvore justamente porque se vestiu e quis ocultar sua nudez? Ao vestir-se, fez oferendas ao deus do nada ou ao deus de seu animal moral.

É importante perceber que o deus do animal moral, do corpo, nem sempre é um deus, com “minúscula”. Afinal é de D’us: “Frutificai e multiplicai.” Mas toda atenção é pouca, porque muitas coisas são feitas ou muitas deixam de ser feitas por sacrifícios ao nada. Quantas pessoas poderíamos ter tirado “para dançar” na vida e não o fizemos por ofertar sacrifícios ao nada? Sacrifício ao deus da timidez, ao deus da vergonha, ao deus do medo de ser rechaçado e assim por diante.

Quantas vezes deveríamos ter dito não, em vez de nos desgastarmos para dissimular virtudes que são oferendas idólatras: oferendas ao deus expectativa, ao deus cobrança, ao deus culpa e assim por diante.

Não podemos temer o que outros irão dizer ou pensar. Não devemos temer nossa própria autoimagem, esta sim, um altar de primeira grandeza aos sacrifícios idólatras. Quantas oportunidades não deixamos de aproveitar, pois “não era conveniente” fazer isto ou aquilo? Nossa autoimagem, tal como nossa moral, é um instrumento do corpo que não aceita se ver em “outro” corpo.

O rabi Bunam alerta para o cuidado que se deve ter com abstinências e privações, pois, muito mais que demonstrar respeito à vida, elas cultuam deuses menores. O corpo é o responsável por uma intrincada rede de negociações psíquicas para que possamos nos preservar tal como somos. No entanto, fizeram com que acreditássemos que ele nos tenta constantemente com seus desejos. É a alma que fica inconformada com os sacrifícios vazios do corpo e é ela a responsável pelos atrevimentos, ousadias, riscos e transgressões.”
***

Tal sabedoria espiritual pode ser profunda demais para entendermos, e é por isso que o texto do rabino precisa de meditação. Amar é não sacrificar ao animal moral e moralista; amar não mata, nem morre por amor; amar simplesmente ama, sem nada querer saber, sem nada sacrificar, sem nada para provar.

Ouvi à alguma semanas atrás uma belíssima música que diz assim: “... venha sem pressa, sem nada, não faça nada para impressionar ninguém, ninguém; ouça o silêncio que deixa a alma livre pra poder cantar e amar e só...”. Simples assim, sem sacrifício, sem corpos queimados – a não ser pelas chamas do desejo –, sem doações extenuantes e confusas. Alma livre para cantar e amar, sem tentar impressionar ninguém. Nem o ente amado.

Sacrificar-se ao seu animal moral, por amor ao ídolo vazio, de nada se aproveita. Se amar tem de ser como está, que seja. Que se ame assim, e só.


Nele, que já se sacrificou por amor.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte II

No texto anterior tratei da fisicalidade que não é propriamente expressão do amor. Mas em momento algum falei – ou escrevi – que o exercício da fisicalidade é danoso, ou nefasto, ou pecado. NÃO FALEI ISSO! O corpo é movido pelo balanço prazeroso do dar e receber e não há nada de errado nisso. A religião dogmatizou o encontro físico, jogando culpa sobre os amantes. Ter companhia é algo imprescindível para muitos de nós e não há nada de errado nisso. A questão é poder viver tranquilamente com esse fato. Ter companhia não é necessariamente ter o amor de sua vida lhe acompanhando. Mas não há problema em viver acompanhado de um grande prazer na palma da mão (...). Somos mais religiosos que gostaríamos de ser (...).

O segundo verso do capítulo 13 da carta que Paulo escreveu aos coríntios diz:

“E ainda que tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.” I Coríntios 13:2 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel).

Profecia é ato de crença, não é ato de amor. Conhecer mistérios é ato da religiosidade, ação da misticalidade religiosa, não é ato de amor. Ter conhecimento científico é ato frio da intelectualidade, não é amor. A fé é a maior expressão da devoção religiosa, mas, ainda assim não é amor; mesmo quando é capaz de transportar montes de qualquer lugar, para qualquer lugar, mesmo assim não é amor. Amor não precisa de profecia, nem de conhecimento, nem de ciência, nem de fé, nem de milagres. Todo o conhecimento teológico, todas as práticas religiosas, todos os eventos sócio-espirituais, sem amor são absolutamente nada. Amor só precisa de si mesmo; só precisa de um coração ignorante a tudo que lhe cerca; AMOR NÃO QUER SABER DE NADA, AMOR SÓ QUER SER AMOR.

Nós pastores, líderes religiosos muito pecamos por achar que conhecemos o amor e às vezes julgamos nossos amigos, nossos alunos, nossos admiradores, nossas ovelhas com nossa arrogância. Nós que nos achamos detentores de um saberzinho qualquer, muitas vezes determinamos o que é o amor. Outrossim o sistema social enfermo pelo materialismo, nos leva ao lugar comum do desamor ou do amor pronto, dos sentimentos pré-definidos e dos sofrimentos pré-determinados. O sistema social que nos ensinou o que é o amor, também não é verdadeiro. Então o que fazer? Se os sacerdotes não sabem explicar o que é o amor – e invariavelmente caem no lugar comum: “Deus é amor” (...) –, e o sistema social também define o amor como o sentimento que sempre está dentro de uma zona de sofrimento desgraçadamente desconfortante, o que fazer?

Sou igual a você que está lendo este artigo; tenho minhas dores, minhas dúvidas, minhas paixões, meus dissabores, minhas questões não resolvidas. Sou tão frágil e por vezes inseguro, igual a qualquer pessoa que não carrega o título de pastor. Como já disse antes deixei a religiosidade de lado e tento não mais me abraçar com ela. Precisei mergulhar nas minhas dúvidas quanto ao amor para descobrir que não sei o que é amor.

Hoje não entendo o amor como um ato sofrido que me leva às lágrimas todas as vezes que lembro do ente amado; não entendo o amor como aquela saudade lancinante que corta a alma, feito lâmina afiada; não entendo mais o amor como o lamento questionante pela impossibilidade temporal ou duradoura de se estar com o ser amante. Não acho que o amor é isso, ou a união disso tudo.

Mas também não acho que o amor é ato inconsequente, abandonativo, desprovido de qualquer senso de responsabilidade em busca do ser amado; amor para mim não é pular do pináculo do templo só porque acredito haver uma profecia que diz que anjos me segurariam na queda. E se não segurarem? Se a profecia não existir? Eu me esborracharia no chão.

Amor não é essa vida de felicidade extrema nem de sofrimento extenuante. Amor, amar, para mim é o caminho do meio, o caminho de ouro como diz Maimonides. O caminho do meio é o caminho que leva ao equilíbrio, que carrega consigo um pouco de tudo que pode ornamentar esse fabuloso sentimento, que mais se parece com um ente espiritual que um sentimento humano.

Amor, quando adornado pela profecia que diz: “ame sem medo, porque amar faz bem...”, carrega em si a vida sem angústia, sem as correntes morais de uma religiosidade enferma;

Amor, quando vem carregado de mistérios não conhecidos, é embelezado pela surpresa que só conhece quem se entrega ao maior de todos os sentimentos e ama; quem se deixa surpreender pelo desconhecido de amar é mais feliz... muito mais feliz; uma felicidade tão incompreensível que as vezes é inaceitável;

Amor, quando se queda à ciência de que nada sabe, e por isso é incapaz de controlar as consequências desse sentimento arrebatador, ergue-se como que das cinzas, olhando a vida sempre com bons olhos, tendo sempre dentro do peito um bom coração bom;

Amor, quando envolto na confiança – fé – de que nada acontece sem a autorização do ETERNO DEUS, somente assim é capaz de transportar montanhas de ressentimentos, monturos de mágoas, aterros de rancor, de dentro de si e do ente que ama, para o mar do esquecimento;

Quando amar se torna prática de vida, ele deixa de doer, deixa de ser angustia e passa a ser refrigério, deixa de ser nada e passa a ser tudo.

Não se deixe levar pelo incômodo que esses artigos sobre o amor podem gerar em você, espere até o fim do texto de Paulo. Iremos aprender muito, eu e você sobre o que é o amor.

Que a Paz que vem do filho amado, o Messias Jesus, seja o juiz dos nossos corações.


Nele, que nos ama incondicionalmente.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte I

Muito se fala sobre o amor, esse sentimento que move montanhas de pessoas na direção de um mar de outras pessoas. Amantes e amados se misturam em uma confusão de conceitos e sentimentos, que muitas vezes nada tem a ver com o verdadeiro amor, ou os verdadeiros sentimentos que compõe o amor descrito pelo apóstolo Paulo, em sua carta aos coríntios. Apresentarei um particular entendimento sobre o amor, com base no texto referido.

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.” I Coríntios 13:1 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel).

A fala é o esforço conjunto e harmônico da emoção e da inteligência. O ato de falar é um ato físico. Essa fisicalidade humanamente lúcida, ou sobrenaturalmente inteligente, nada representa diante de atos físicos de desamor. Toda a inteligência sem amor é somente barulho. Não se ama falando, se ama fazendo silêncio; Não se ama gritando, se ama falando baixinho; não se ama xingando quem ameaça nosso sentimento, se ama crendo que se ama, não importa o que digam. Amor não depende do que falam, muito menos de quem fala. AMOR NÃO PRECISA DE EXPLICAÇÃO. AMOR AMA.

A fala humana ou a fala angelical nada tem de amor em si, isso porque o amor não é expressão da inteligência, nem expressão da emoção, nem expressão do físico. Amor é o sentimento para além do entendimento emocional e físico que estamos acostumados a receber e dar.

A fisicalidade do sentimento se torna envolvimento sexual – prazeroso ou não –, só isso. Sua química contagiante e viciante nos faz pensar que amamos, quando na verdade apenas sentimos falta do outro corpo que nos falta, que nos completa as lacunas físicas.

A inteligência do sentimento nos faz racionalizar a falta que o corpo nos faz e acaba nos enganando os sentidos, perturbando nossas emoções; ficamos frágeis (...), perturbados, confusos. A razão – inteligência – nos diz que amamos porque sentimos falta do corpo, da presença, do toque, da química. Nossa emoção se confunde nesse turbilhão de sensações físico-mentais.

Mas o amor só nasce quando a matéria física – a fala – que nasceu do esforço da emoção e da inteligência, se junta a esses geradores de vida dando novamente a luz ao ente espiritual que somos – ou que devemos ser – segundo a determinação do ETERNO.

Amor não é sentimento bilateral, amor é sentimento unilateral. É via de mão única. Quem ama, ama, não precisa ser amado. Ama e pronto. Não precisa de companhia, nem de comprovações, nem de falas que atestem que é amado. Amor simplesmente ama. Simples assim.

Preste atenção: se você precisa que alguém prove que lhe ama, com palavras, com atos ou com sentimentos – ficando sempre com você, perto de você (...), saiba que essa pessoa pode até lhe amar, mas você não a ama.

Lembre-se: o amor ao outro, inicia com o amor próprio.


Pense nisso. Não fale, não queira ouvir. Ame.