Há tempos não tenho sentido
vontade de escrever (...), mas hoje acordei com este Salmo fluindo do coração,
escapando pelos lábios (...) e resolvi tentar dividir o que sinto.
“Tem misericórdia de mim, ó Deus, porque o homem procura devorar-me; pelejando todo dia, me oprime.
Os meus inimigos procuram devorar-me todo dia; pois são muitos os que pelejam contra mim, ó Altíssimo.Em qualquer tempo em que eu temer, confiarei em ti.Em Deus louvarei a sua palavra, em Deus pus a minha confiança; não temerei o que me possa fazer a carne.Todos os dias torcem as minhas palavras; todos os seus pensamentos são contra mim para o mal.Ajuntam-se, escondem-se, marcam os meus passos, como aguardando a minha alma.Porventura escaparão eles por meio da sua iniquidade? Ó Deus, derruba os povos na tua ira!Tu contas as minhas vagueações; põe as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas no teu livro?Quando eu a ti clamar, então voltarão para trás os meus inimigos: isto sei eu, porque Deus é por mim.Em Deus louvarei a sua palavra; no SENHOR louvarei a sua palavra.Em Deus tenho posto a minha confiança; não temerei o que me possa fazer o homem.Os teus votos estão sobre mim, ó Deus; eu te renderei ações de graças;Pois tu livraste a minha alma da morte; não livrarás os meus pés da queda, para andar diante de Deus na luz dos viventes?”Salmo 56; Tradução Almeida Corrigida e Fiel – versão digital 6.7
A mente humana está longe de ser
decifrada e entendida. Por mais que tentemos, por mais que nos esforcemos,
temos nos distanciado desse entendimento. Os textos de Augusto Cury – em suas
teorias sobre a “origem do pensamento” me tem feito refletir “pra
dentro”, buscar em mim algumas explicações (...), não é fácil olhar para o
espelho e ver quem se é realmente (...), é mais fácil por nos outros a culpa
por nossas mazelas, por nossas escolhas, por nossos infortúnios. Culpar aos
outros é sempre mais fácil, mas a culpa não é das estrelas.
Sendo parte da verdade – אמת (Emet em hebraico) – o livro dos Salmos mostra em muitos casos, o ser humano natural em
confronto com o homo-sapiens; ou seja, o ser instintivo em confronto com
o ser pensante; e o Salmo 56 parece ser um desses. Independente, de
historicamente David ter declamado tal poesia enquanto estava capturado pelos
filisteus, é possível perceber a luta do “homem”, o ser instintivo, em luta
contra o “eu”, o homo-sapiens.
Em nossas crises internas, no
nosso “Armagedon” íntimo e pessoal, somos atacados não por quem está
fora de nós, mas por quem está dentro de nós; por nós mesmos. O grito de David
contra si mesmo, “o homem” que tenta devora-lo por dentro, que peleja
contra ele o dia todo e o oprime é sentimento e até fato conhecido por muitos
de nós. Somos uma “multidão de nós” lutando contra um “eu”
solitário e aflito diante de tantos reflexos distorcidos.
Nossas sandices estão todas
descritas no Salmo 56 de forma muito clara – pelo menos para mim – que
até assustam. As diversas faces da personalidade do “ser humano”, do “homem
natural”, são expostas de forma crua nos versos desse Salmo.
O desespero de sentir-se devorado
por si mesmo, pelas múltiplas facetas de personalidade de si próprio, desemboca
num ato de confiar apavorado, como se disséssemos: “...não posso confiar nem
em mim mesmo; então só posso confiar em TI e no que de TI há em mim...”;
sempre clamando por misericórdia.
A angústia de não poder produzir
um “louvor próprio” para a glorificação deste DEUS íntimo, produz um
também desesperado apego às PALAVRAS DELE para louvar a ELE. A consciência que
as palavras estão desconexas é indescritível – sentir-se fragmentado em si
mesmo é horrível. Mas é nesse momento que o fio de lucidez que mostra que não
se pode confiar no próprio juízo, dita a regra da sobrevivência: “...em Deus
pus a minha confiança...”.
O estarrecimento de reconhecer as
próprias neuroses também se mostra no poema deste David enlouquecido: “Ajuntam-se,
escondem-se, marcam os meus passos, como aguardando a minha alma.”. Mania
de perseguição; o grito da alma que se enxerga perseguida por si mesma – eu
perseguindo a mim mesmo. Mas o fio de lucidez que garante a sanidade dos que
procuram o ETERNO e MISERICORDIOSO DEUS, brota gritando imediatamente, como se
o “EU” defendesse a si mesmo: “Porventura escaparão eles por meio da
sua iniquidade? Ó Deus, derruba os povos na tua ira!” Talvez seja esse
comportamento, que Augusto Cury chama de “o eu como gestor...”. É
preciso se saber perseguido por si mesmo, por fantasmas criados dentro de um self
adoecido, de um self cheio de medo de sair pra vida e vive-la sem medo
do que se está passando.
Para chegar ao “fim do túnel”
é fundamental entender que nossos pensamentos vagueiam perdidos, disformes, sem
rumo, sem sentido; e nesse estado esquizofrênico, David declara: “Tu contas
as minhas vagueações; põe as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas no teu
livro?” O clamor íntimo para o PAI que vive dentro dos filhos, para o DEUS
que vive dentro de sua mais brilhante criatura, o ser humano sapiens.
Diante de tal verdade – O PODER ABSOLUTO DE DEUS EM NOS SALVAR DE NÓS MESMOS –
declaramos que ninguém, nem mesmo nós, será capaz de nos tirar a confiança que
acalma e nos traz paz. Essa confiança origina-se na certeza de que, em
retornando a sanidade, todos os votos serão cumpridos e nos apresentaremos
diante do SENHOR com ação de graças.
Apresentar-se ao SENHOR com “ações
de graças” é entre outras coisas, agir consigo mesmo com o mesmo grau de
misericórdia que ELE denota para nós. O primeiro mandamento é AMAR A SI MESMO.
Amar a si mesmo, é perdoar a si mesmo, é entender a si mesmo, é aceitar os
próprios deslizes como algo natural – afinal, ninguém é maior ou menor do que
realmente é; amar a si mesmo é tolerar-se, é admirar-se, é fazer-se mimos
íntimos, é ser cuidadoso com as próprias emoções, é se colocar em primeiro
lugar sem ser egoísta, é deixar-se envolver pelos sentimentos que alimentam, é
amar do lado de dentro, quem não pode ser amado pelo “lado de fora”.
Amar a si mesmo é amar a DEUS. Quando agimos com atos de graça – favor
imerecido – para conosco mesmo, podemos chegar na presença do SENHOR
cantando vitória no tempo certo, dizendo: “Pois tu livraste a minha alma da
morte; não livrarás os meus pés da queda, para andar diante de Deus na luz dos
viventes?” Certamente que sim.
Boa semana a todos.
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