Achei muito interessante a “polêmica” sobre o texto “girafa
do capeta”. Alias, pra dizer a verdade, gostei bastante. Gostei pois não tinha
nenhuma pretensão que ele suscitasse o que suscitou dentro de cada pessoa que
leu o texto e se manifestou. Sei que muitos leram, mas não o acharam digno de
comentário.
Na hora da comunhão em torno da mesa, lembrei alguns dos comentários
que o post da “girafa” recebeu. A hora da comida tem se tornado um momento
sagrado em nossa casa. Todos, chegamos a um só sentimento, que resolvi partilhar.
Quando disse que o “diabo” era produto da mente humana – foi
o que gerou algum desconforto entre os que curtiram e/ou comentaram, e os que não
curtiram e/ou não comentaram – disse com base em profunda e honesta experiência
de tanto anos estudando o tema – como já disse – e realizando ou participando
de momentos, que a igreja evangélica chama de “libertação espiritual” e a
igreja católica chama de “exorcismo”. Então como pode ser isso? Digo que o “diabo”
é criação humana, mas participo de exorcismos?
Minha tranquilidade em expor essa aparente contradição, está
no conceito percebido de mal como um “ente”, um indivíduo, um ser; e mal como
comportamento, atitude, modus vivendi. O mal como ente, não pode existir a luz
da própria Supremacia Divina. Porém o mal como comportamento, como atitude está
diariamente entre nós, sendo protagonizado por seres de carne e osso. A questão
é que o mal que produzimos aos outros por diversos motivos, é tão terrível que
precisa de um “padrinho”. Um ente que “nos inspire” realizar tamanha maldade, e
seja – posteriormente – responsabilizado por ela. Mas até esse ente que nos
inspira ao mal, é nosso aliado, pois ele carrega nossas culpas, tipo um “bode
expiatório”. Percebendo de forma lúcida, esse “padrinho” malvado toma o lugar
do vicário sacrifício de Jesus como expiador de nossos erros. Nesse
comportamento esquivo, lançamos sobre o “diabo”, o ente malévolo que nos
inspira ao mal, a culpa dos nossos atos malvados.
A explanação acima bastaria, se o fato de criarmos o mal
como ente, não fosse mais danoso ao sagrado em nossas vidas. O desconforto de
ouvirmos ou lermos, que o “diabo” como ente é uma criação humana é tanto, que
nem sequer paramos para tentar identificar a razão desse desconforto. Passamos
de imediato ao embate filosófico teológico, para provarmos a todo custo que
esse “ente mal” existe, e - como escreveu Hall Lyndsei – “está vivo e ativo no
planeta terra”. A questão é séria e merece atenção.
A “agonia” diante da negação da existência do “ente mal” é
porque a crença em Deus não é verdadeira.
Não é verdadeira porque esse deus precisa de um diabo para
ser deus; Não é verdadeira porque é preciso o ente “diabo” para perder uma
guerra diária onde “nós” somos o objeto da disputa; Não é verdadeira porque se
o diabo deixar de existir, esse deus também não existe. Chocado? Desculpe, mas creio
que é assim.
***
Como então explicar a existência do “mal” que permeia nosso
mundo, que faz com que um garoto que estava indo jogar bola, e segurando a mão
da avó, morresse no meio de um tiroteio que aconteceu no meio da rua? Como explicar
a maldade de fazer tamanho horror em decapitar um semelhante, e deixar a cabeça
na porta da família do decapitado? Ou de onde vem a brutalidade fria de
torturar um suspeito até a morte e depois ‘sumir’ com o corpo? Simples. Esse
mal somos nós. Não precisamos de “diabo” para fazermos isso.
Distantes da fonte de vida, nos tornamos fonte de morte; Dissociados
da vida, viramos morte; separados da moral, somos imorais e amorais, mortais;
discordantes da paz fazemos acordos com a guerra. Somos por natureza malvados,
apesar de sermos essencialmente bondosos.
Essa contradição é nosso ponto de equilíbrio: nos conhecermos
maus no comportamento, mas nos entendendo bons na essência. É aqui que nosso SAGRADO
se estabelece; é aqui nesse lugar do “stress existencial”, onde o “nosso bom” convive
com o “nosso mal”, que a paz INTERIOR se estabelece, e o SER HUMANO NASCE.
Passar a autoria do nosso “ser mal” para “um outro” ente mal, é cuidar do que
está fora ao invés de cuidar do que está dentro. É cuidar do cisco que está no
olho do outro ao invés de tratar da própria cegueira.
É por isso que digo que o “diabo” como ente não existe. Essa
é minha verdade.
Termino com uma parábola.
“Um cavalo que se sabe cavalo não é um cavalo.
Um macaco que se sabe macaco, macaco ele não é.
Uma cobra que se sabe cobra não é uma cobra.
Um ser humano que se sabe um ser humano
é um ser humano.
Um ser humano que não se sabe um ser humano
aí é um cavalo, um macaco, uma cobra.”
Nilton Bonder, do livro “A Alma Imoral”.
Beijo grande.
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