"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

quarta-feira, 1 de março de 2017

É PRECISO NASCER DE NOVO!
(se não entendes o que é terreno, como entenderás o divino?)

Imagem da WEB

 
“Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. (...) Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” Evangelho de João 3:3 e 12

A conversa do Messias com Nicodemos é completamente terrena. Trata de coisas da terra, da rotina das pessoas, das angustias diárias, dos desassossegos causados pela vontade de mudar. Nicodemos afirma que Jesus só fazia aqueles milagres porque DEUS estava com ele. A resposta de Jesus parece completamente sem nexo para olhos e ouvidos repletos de religião; e foi dessa forma repleta de religião que o velho Rabino a ouviu. Sua resposta irreflexiva mostra isso.

Nicodemos, igual a todos os demais religiosos de sua época, estava questionando o discurso de Jesus e seus atos milagrosos. Porém, diferente dos demais rabinos, ele foi encontrar-se com Jesus – mesmo que de forma secreta, escondido dos olhos do clero – para apresentar sua resposta às próprias questões. No texto Nicodemos não pergunta, ele responde a si mesmo na presença do Mestre. Na verdade é um pergunta disfarçada de resposta.

Jesus devolve o velho rabino à estaca zero quanto aos seus questionamentos ao responder sua resposta: “sim, mas para que ELE esteja, é necessário nascer de novo”. Acho que essa teria sido a forma respondida por Jesus.

Claro que para ensinar daquela forma, Jesus precisava da presença de DEUS; claro que para realizar os milagres que realizava, Jesus precisava da presença DIVINA. Mas para que essa PRESENÇA ocorresse foi necessário primeiro NASCER DE NOVO.

JESUS NASCEU DE NOVO!! ELE AFIRMA ISSO A NICODEMOS. ESTÁ ESCRITO!

Mas o que seria “esse” novo nascimento?

O tema tem sido debatido por diversos teólogos em todo o mundo, mas nenhuma definição tocou meu coração. Todas as definições e certezas apresentadas me parecem estranhas, divinas demais para serem alcançadas. O “novo nascimento” o qual Jesus se refere na conversa com o velho rabino é algo completamente terreno, físico, Inteligível, palpável. Então, o que seria esse “novo nascimento”?

Em uma pequena reflexão, nascemos quando estamos maduros; quando nos desconfortáveis dentro do ventre materno. Enquanto o útero não nos aperta, não nos incomoda, não temos motivos para nascer. Estamos em nossa zona de conforto. Mas quando dentro do ventre materno nossa respiração fica ofegante pelo pouco espaço; quando esse lugar de conforto se torna estreito, incômodo, nascemos. Nos acomodamos, nos retorcemos, nos esforçamos e nascemos. Há medo em nascer, não sabíamos o que havia fora da casa/útero, não fazíamos ideia que nossos pulmões iriam queimar com o ar tomando o lugar da “água”; Mas nascemos assim mesmo. Era necessário. Se não nascêssemos, morreríamos.

Nascer para não morrer.

Reproduzirei uma parte de um texto escrito pelo rabino Nilton Bonder, que deixa claro as etapas desse processo de novo nascimento.

“É fundamental mencionar que o Egito é, acima de tudo, um símbolo, por representar um lugar que ‘já foi bom’ e deixou de ser. As analogias se tornam mais interessantes ainda se reconhecermos que a etimologia hebraica da palavra Egito – mitsraim – quer dizer ‘lugar estreito’.

Todos nós deparamos com lugares que se tornam estreitos em determinado momento. Estes lugares, que outrora serviram para nosso desenvolvimento e crescimento, se tornam apenados e limitadores.

No processo de saída de um lugar estreito, temos uma descrição interessante dos fatos históricos ocorridos no relato bíblico. Segundo o mesmo, o processo de saída esbarra num limite tão real e profundo como o mar. Arrependido por ter permitido a saída dos hebreus após sofrer dez pragas diferentes, o faraó os encurrala junto ao mar. Entre o exército mais poderoso do mundo de então e o mar, os hebreus se voltam ao líder Moisés em desespero. O que fazer?

Quando resolvemos sair do lugar estreito, ocorre um processo semelhante com o corpo. O corpo não gosta de sair, de mudar. São a estreiteza e o desconforto que o convencem de que não existe outra saída. Mas para onde ir se o corpo não conhece nada diferente de si mesmo? A alma, imoral em sua proposta de desalojamento do corpo, impõe uma caminhada que para o corpo acaba por ser um enfrentamento com uma barreira aparentemente intransponível.

Como seguir rumo à ‘terra prometida’, ao futuro, se entre o presente e ela existe um fosso, um mar, absoluto. O corpo então questiona a sensatez da alma. Os portões do passado se fecham, os do futuro não estão abertos e o corpo experimenta a mais temida das sensações – o pânico de se extinguir.

Encurralados diante do mar, o povo, representativo do corpo, assume algumas posturas possíveis. De acordo com o ensinamento chassídico, existem quatro comportamentos clássicos mencionados como quatro acampamentos. Sem saber como proceder, o povo se divide em quatro acampamentos. O primeiro quer voltar, o segundo quer lutar, o terceiro quer jogar-se ao mar, o quarto se mobiliza em oração.

Como leituras da alma, essas quatro posturas representam resistências do corpo. A própria ideia de acampar é, em si, uma forma de “empacar”. Aquele que propõe o retorno reconhece o poder do lugar estreito. Esse lugar do hábito é tão poderoso que foi uma ilusão se deixar levar pelo sonho de sair. Tudo estava errado desde o início e a proposta de voltar pressupõe uma vida estreita e em conformidade com a realidade e as limitações que esta impõe.

Lutar, por sua vez, é a crença de que se poderá fazer do próprio lugar estreito um lugar mais amplo. Se o lugar estreito é poderoso para impor-se como realidade, o que resta é desafiá-lo, como se a estreiteza fosse externa e não um processo de relação entre o mundo externo e o interno. Jamais devemos esquecer que o lugar estreito um dia não o foi.

Jogar-se ao mar é a atitude do desespero. É a entrega do corpo na descoberta de que a alma propiciou um limbo insuportável em que não há mais o passado que o definia nem lhe é permitido um novo futuro que o redefina. Na busca de um novo ‘bom’, não se encontra um novo ‘correto’ e a única saída é pagar o preço de não se ter bancado o ‘correto’ do passado mesmo que o ‘bom’ fosse inadequado. Desse desespero surge a resignação de que, apesar de não se voltar ao lugar estreito, jamais se poderá atingir um novo lugar amplo.

Orar é um recurso de fazer da situação do ‘novo’ uma reprodução do lugar estreito. Numa aparente resolução das demandas da alma, o corpo exige que a realidade seja ‘compassiva’ com ele, permitindo que o novo lugar não exija dele uma nova definição de si. O novo lugar é o velho sem parecer-lhe estreito. Muitos de nossos sonhos do pós-vida se classificam nessa categoria.

A beleza da interpretação chassídica está na utilização do versículo (Ex. 14:13), que esboça a reação de Moisés, o líder e representante dos interesses da alma (o empreendedor da saída do lugar estreito): ‘E disse Moisés ao povo: (1) Não temais, ficai e vede a salvação do Eterno; (2) porque os egípcios que vedes hoje não volvereis a vê-los nunca mais; (3) o Eterno lutará por vós e (4) vós vos calareis.’

Segundo essa interpretação, temos aqui uma resposta aos quatro acampamentos. Aos que queriam se jogar no mar: ‘Não temais, ficai.’ Aos que desejavam voltar: ‘Não volvereis a vê-los nunca mais.’ Aos que se propunham a lutar: ‘O Eterno lutará por vós.’ E aos que oram: ‘Vós vos calareis.’ Nenhum dos acampamentos representa o futuro e a saída. Todos eles são variações sobre a hesitação e a vacilação. São, na realidade, a fronteira onde um corpo morre para renascer com uma mesma alma em outro corpo – do outro lado da margem.

Mas, se nenhuma dessas condutas é apropriada, qual é o caminho então? Não nos esqueçamos da realidade que interpõe um mar entre um corpo e outro. A resposta de D’us às vacilações do corpo, ou seja, resposta proveniente da fonte de toda alma e todo futuro, é igualmente decisiva e intrigante (Ex. 14:15): ‘Diga a Israel que marche.’”
Rabino Nilton Bonder - Processos de traição, A alma Imoral

É isso. “marche!”. Nasça de novo.

Para nascer de novo não precisamos voltar ao útero, e sim, deixar o lugar estreito onde estamos. Seja ele qual for.

Então, tenha coragem de deixar “seu” lugar estreito para NASCER DE NOVO, QUANTAS VEZES FOREM NECESSÁRIAS.

No próximo texto tratarei dos quatro comportamentos da vida no lugar estreito.


Deus seja conosco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário