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Ontem postei um longo texto expondo
minha opinião sobre o caso específico das reclamações quanto a obrigatoriedade
do uniforme escolar para a assistência às aulas; para alguns leitores foi explicativo,
para outros nem tanto (...). Durante todo o dia de ontem, 5 de março, pesquisei
sobre o tema, baixei e li algumas monografias, artigos e algumas leis que
tratam do assunto, todo esse esforço com o objetivo de alcançar o conhecimento
necessário para discutir – caso ainda seja preciso – e defender minha opinião
favorável à obrigatoriedade do uso do uniforme, com quem for necessário, claro,
dentro da civilidade, cordialidade e respeito.
Nesta nova postagem ainda sobre a
questão da obrigatoriedade do uso do uniforme escolar, quero abordar algumas
questões que entendo, serem de suma importância para a formação de um entendimento
menos politiqueiro e mais sensato, coerente. Vou discorre um pouquinho sobre a
história do uniforme escolar no Brasil e a questão dos hipossuficientes, um
estado social que aparentemente só cresce.
BREVE HISTÓRIA DO UNIFORME
ESCOLAR
Diz-se de forma leviana, penso
eu, que o uniforme escolar tem a ver com o regime militar; numa tentativa torpe
de desmerecer a vestimenta, ligando-a às forças armadas do País. Essa vinculação
descabida, deve-se à mágoa originada da lembrança do momento vivido durante a
ditadura militar que em muito foi opressor das liberdades; mas, não é possível
negar que deixou dividendos positivos para o Brasil, perdoem-me os discordantes.
Porém, a instituição do uso do uniforme nas escolas vem de muito antes desse
fatídico e marcante fato da história brasileira.
Segundo Kerin Costa, em monografia
quando da defesa para a obtenção do título de Especialista em Educação, “...
em se referindo ao âmbito do cenário brasileiro, podemos nos valer de alguns
aspectos históricos dos uniformes no século XX, principalmente levando em
consideração o posicionamento de Schemes e Thön (2010, p. 05), que apresentam
detalhes específicos e descrevem que o uniforme foi instituído pela primeira
vez na capital do Império, no Colégio Pedro II, em 1850, uniforme este que mais
parecia um fardamento militar. A partir de então, algumas escolas começaram a
fazer uso de uniformes, visando alcançar uma forma de padronizar a roupa dos
alunos, identificando-os com as instituições de ensino, as quais estavam
vinculadas, procurando garantir a segurança e a disciplina, além de possibilitar
tratamento igual para todos.
Já, em conformidade com o
posicionamento de Marcon (2010, p.17), no Brasil, os uniformes escolares
passaram a ser utilizados entre 1800 e 1900, com o advento da Escola Normal, em
Niterói – RJ.
Por volta de 1920, ocorreu no
Brasil o movimento da Escola Nova, o qual apoiava a universalização da escola
pública, laica e gratuita. Foi uma época em que grupos menos privilegiados
passaram a freqüentar as escolas. Com isto a uniformização destes novos alunos
passou a ser de muita relevância. O movimento da Escola Nova teve grande
importância na história da pedagogia e, segundo Aranha (2006, p. 4), evidenciou
a conscientização da diferença entre a educação e as exigências do
desenvolvimento. Fortalecendo a necessidade do uso do uniforme com a finalidade
de tornar todos os estudantes semelhantes, pelo menos na aparência, evitando a
diferenciação perante o grupo e a sociedade.”
Como se pode observar, a
implementação do uniforme escolar, teve por objetivo proteger os hipossuficientes
que estavam naquele momento, ganhando a possibilidade de estudar ao lado dos autossuficientes.
Mais adiante, Costa informa que:
“A crise
econômica de 1929 e, paralelamente, o fim de uma época liberal, impulsionou o
governo a publicar a brochura denominada “Uniformes Escolares – Districto
Federal”, o qual tinha como principal preocupação descrever como deveriam ser
os uniformes das escolas públicas, apesar de que ainda não os tornava
obrigatórios, porém foi o que aconteceu na década seguinte (LONZA, 2005, p.
19).
Conforme
afirma Piletti (1997, p. 40), o Brasil teve um considerável avanço na área
educacional na chamada “era Vargas” (1930-1945), período em que o novo governo
priorizou a educação como instrumento de reconstrução nacional, procurando
democratiza cada vez mais o ensino.
Foi isso
que aconteceu; o governo Vargas trouxe a democratização do ensino e tornou
obrigatório o uso de uniformes escolares no Brasil. Isto fez com que todos
(meninos, meninas, ricos, pobres) passassem a fazer parte de uma coletividade,
apesar das divergências entre um indivíduo e outro. A democratização levou os
estudantes à homogeneização, ou seja, não era mais possível distinguir se cada
jovem ou criança pertencia a um determinado grupo social, segundo Silva (2006,
p. 16).
Há de se
levar em conta o posicionamento de Lonza (2005, p. 04-05), o qual reforça o
entendimento de que o uniforme realça uma nova noção de igualdade e identidade,
fazendo com que os adultos e educadores percebessem os alunos de uma forma
diferente, não ligada à hierarquia sócio-cultural e obrigando-os a ver os indivíduos
numa coletividade.”
Faz-se clara, então, que a
verdadeira intenção para uso do uniforme nas escolas pública do País não é – e nunca
foi – “militarizar” a escola ou tornar os alunos “uni-formes”, dar-lhes
uma única forma, como querem alguns, mas, tornar equânime a relação social.
Quando um aluno está devidamente uniformizado, ele está protegido, do olhar
desigual de qualquer pessoa na sociedade; quando uniformizado, esse aluno não é
nem autossuficiente, nem hipossuficiente, ele é ALUNO. E isso basta.
O monógrafo finda assim sua obra:
“O uniforme
escolar tem um significado de identificador de grupos e símbolo e das escolas.
Algumas vezes podem mostrar o “poder” da escola junto à sociedade, nelas os
alunos tem melhor condição financeira e vestem um fardamento mais caro, mais
belo, como um troféu.
A
utilização do uniforme no Brasil iniciou com o objetivo de identificar alunos de
acordo com as suas instituições escolares, garantindo segurança e disciplina, além
de contribuir para que todos fossem tratados como membros de uma só instituição.
A relação
existente entre uniformes escolares, suas descrições e análises remetem os
uniformes como elemento identificador de uma categoria social. O uso deste
sempre se deu não exclusivamente para a identificação do aluno, mas também para
a sua segurança, seu conforto físico e moral, levando-o para um ar de igualdade
para com os educadores, os colegas e à sociedade.
Tanto a
moda, como a economia, a política e a educação influenciaram (e influenciam) as
transformações destas vestimentas escolares, o que se comprova, principalmente,
em períodos de guerras e ditadura no país.
Dessa
maneira não há a possibilidade de dúvidas, pois este enfoque pressupõe a
existência de múltiplas possibilidades de identificações e, portanto, diferentes
construções de identidade, pois os grupos são formados a partir de pontos
comuns e distintos ao mesmo tempo.”
KERIN COSTA. QUANDO O UNIFORME ESCOLAR
NÃO É O LIMITE. POSSIBILIDADES DE PERTENCIMENTO E DE TRANSFORMAÇÕES, MONOGRAFIA
DE ESPECIALIZAÇÃO - MEDIANEIRA - 2014
SÃO OU NÃO, HIPOSSUFICIENTES?
Talvez você tenha estranhado o
fato de estar usando o termo “hipossuficiente” evitando assim usar o
termo “pobre” para me referir às pessoas que alegam não poder adquirir
as peças do uniforme escolar. Prefiro o primeiro termo por entender que há uma
confusão de conceitos no tocante aos significados dados às pessoas com nenhum
ou com pouco poder aquisitivo. Para seguir com este texto, apresento adiante,
alguns significados que julgo importantes, extraída do site:
significados.com.br.
“Vulnerável
– algo ou alguém que está suscetível a ser ferido, ofendido ou tocado.
Vulnerável significa uma pessoa frágil e incapaz de algum ato. O termo é
geralmente atribuído a mulheres, crianças e idosos, que possuem maior
fragilidade perante outros grupos da sociedade.
Na
sociedade, um indivíduo vulnerável é aquele que possui condições sociais,
culturais, políticas, étnicas, econômicas, educacionais e de saúde diferente de
outras pessoas, o que resulta em uma situação desigual.”
“Pobre
– desprovido ou mal provido do necessário; estéril, que produz pouco; desgraçado,
que inspira piedade; pessoa que vive em estado de necessidade.”
“Miserável
– aquele que carece de recursos, que vive em extrema pobreza; que é digno de
piedade, lastimável, miserando; ínfimo, demasiadamente baixo: salário miserável;
malvado, perverso; pessoa infeliz, desgraçada; indigente; pessoa infame; pessoa
avarenta, sovina, somítica.”
“Hipossuficiente
– diz-se de pessoa que é economicamente muito humilde; que não é autossuficiente.”
(...)
O Brasil, possui pouco mais de 20
milhões de pessoas que vivem abaixo da linha de pobreza. Segundo definição do
Wikipedia, “Linha de pobreza é o termo utilizado para descrever o nível de renda
anual com o qual uma pessoa ou uma família não possui condições de obter todos
os recursos necessários para viver. A linha de pobreza é, geralmente, medida em
termos per capita (expressão latina que significa "por cabeça") e
diversos órgãos, sejam eles nacionais ou internacionais, estabelecem índices de
linha de pobreza.”
Em 2003, o Governo Federal criou
um programa de socorro imediato às pessoas e famílias que viviam abaixo da
linha de pobreza ou em pobreza extrema. Em sitio na internet, pertencente ao Governo
Federal encontra-se a seguinte explicação para o PBF:
“O Programa
Bolsa Família também é um programa criado pelo Governo Federal destinado
exclusivamente para famílias em estado de pobreza ou extrema pobreza. Como o
objetivo principal do Bolsa Família é melhorar as condições de vida e suprir as
necessidades básicas das famílias brasileiras em estados de pobreza ou extrema
pobreza, o programa oferece a essas famílias acesso a serviços sociais básicos
e além disso, tem um vínculo com outros programas sociais do Governo Federal
para melhor atender a essas famílias. O Bolsa Escola, atualmente, é um desses
programas sociais vinculados ao Bolsa Família.
Esclarece ainda mais site:
“Para
conseguir acesso ao Bolsa Família 2017 é necessário que a família comprove
situação de extrema pobreza. Famílias em que a média de renda entre todos os
membros da família não ultrapasse os R$170,00 mensais tem direito. Caso a renda
mensal da família ainda seja inferior a R$ 85,00 por pessoa, a família poderá
receber um auxílio extra, para ajudar a superar a pobreza.
Além disso,
é necessário comprovar que as crianças estão estudando, no período apropriado e
se estão com a carteira de vacinação em dia. Esses dois critérios são
mandatários para que o benefício continue sendo pago, caso uma família não
cumpra alguma dessas obrigações, o benefício é cortado até que a situação seja
regularizada.
(...)
Um primeiro
valor pago é o rendimento de R$ 85,00 para famílias que tenha renda mensal
inferior a R$ 85,00 por pessoa. Esse benefício serve para ajudar aquelas
famílias que se encontram em situação de pobreza extrema.
Outra
variável no valor do benefício é o número de filhos de 0 a 15 matriculados na
escola – a cada filho cadastrado, a família recebe um auxílio de R$ 39,00,
sendo possível cadastrar no programa até 5 filhos ou dependentes.
Além disso,
as famílias recebem mais R$ 46,00 por cada adolescente entre 16 e 17 que esteja
em dia com os estudos. Nesse caso, é permitido cadastrar até 2 jovens no
programa para receber o auxílio.”
É notório o fato, que em todas as
pesquisas feitas as regiões Norte e Nordeste são as que mais possuem pessoas em
estado de hipossuficiência, ou seja nessas Regiões do País se encontra o maior
número de brasileiros sem condições de autossuficiência; nessas Regiões, os
recursos financeiros provenientes do Programa Bolsa Família são uma fonte de
renda quase que única.
Itacoatiara faz parte desse cenário
de dependência financeira do Governo Federal. Em 2016, o PBF pagou para 12.196
(doze mil, cento e noventa e seis) famílias itacoatiarenses, um total de R$ 25.797.008,00
(vinte e cinco milhões, setecentos e noventa e sete mil e oito reais), em
repasses feitos de janeiro a dezembro.
Já em 2017, o número de famílias
itacoatiarenses que receberam o benefício do Governo Federal já é de 10.703 famílias,
num total de R$ 2.253.172,00 (dois milhões, duzentos e cinquenta e três
mim, cento e setenta e dois reais), valores referentes ao mês de janeiro; se os
valores se repetirem até dezembro, Itacoatiara receberá mais de R$ 27 milhões.
O investimento feito pelo Governo
Federal no município de Itacoatiara – como em todos os municípios do Brasil – por
meio do PBF, tem o objetivo de minimizar as diferenças sociais, condicionando o
pagamento do benefício, na obrigatoriedade das famílias manterem seus filhos –
crianças e adolescentes – estudando.
Confesso que não possuo
conhecimento suficiente para discorrer sobre os índices de pobreza do País,
mesmo tendo obtido acesso às informações pertinentes. Porém, mesmo assim, quero
deixar registrado minha percepção quanto ao que chamo de “política do pires
na mão”.
O PBF veio, sem sombra de
dúvidas, ajudar às famílias com renda igual ou inferior a R$ 85,00 (oitenta e
cinco reais), garantindo-lhes um mínimo de segurança financeira. Mas essa ajuda
não foi feita para ser duradoura, ela está condicionada e é finita. Pergunto:
será que as duas mil famílias que não estão recebendo o benefício em
Itacoatiara conseguiram sair do estado de pobreza em que se encontravam ou
foram retiradas do programa por alguma irregularidade? Outro fato importante a
ser observado é que todo valor recebido por essas famílias é investido no
mercado local, na compra de mantimentos, vestimentas e outros; em sendo assim,
no ano de 2016, houve um investimento superior aos 25 milhões de reais no
comércio local.
Em uma visita não detalhada ao
Portal da Transparência do Governo Federal, pude perceber que os valores pagos
às famílias itacoatiarenses no ano de 2016 variam de R$ 78,00 reais até mais de
R$ 5.000 reais. Claro que esses valores são cifras anuais, em cada mês as famílias
receberam uma fração desse valor. Mas, nos casos daqueles que receberam mais de
R$ 3.000 por ano, R$ 300,00 no mínimo foram garantidos para que a família fosse
mantida minimamente.
(...)
A questão que não quer calar é:
AS FAMÍLIAS QUE ALEGARAM NÃO POSSUIR CONDIÇÕES PARA ADQUIRIR O FARDAMENTO
ESCOLAR RECEBEM OS BENEFÍCIOS DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA?
Se a resposta for afirmativa,
esses já podem ser declarados hipossuficientes, e o Estado teria a obrigação de
providenciar gratuitamente o fardamento escolar, ou permitir que assistam às
aulas sem o uniforme. Porém devo lembrar que, nesse caso, a ausência do
uniforme exporia tais alunos ao constrangimento notório de sua hipossuficiência,
o que é proibido por lei.
Se a resposta for negativa, se a
família de tais alunos não estiver entre os beneficiados pelo PBF, presume-se
que não estariam em estado de pobreza, podendo então adquirir as peças do
uniforme escolar.
Garantir aos hipossuficientes garantias
e regalias extras, direitos a mais e deveres de menos, alimenta, em meu
entendimento, (...), providenciando um crescimento desordenado e avassalador,
alimentando a ilusão de serem melhores cidadãos que todo os demais, apenas por
serem pobres.
Dar aos hipossuficientes brasileiros
as mesmas garantias de acesso que aos autossuficientes é atuar com equidade;
mas dar-lhes mais garantias e menos obrigações, provoca rasgos irremendáveis no
pano social. Infelizmente, é isso que parece estar ocorrendo no Brasil.
Finalizo.
Ontem, segunda-feira, na Escola
Estadual Maria Ivone, tive nove tempos de aula, cinco pela manhã e quatro pela
tarde, vi alguns alunos assistindo aula usando parte do uniforme – camisa da
escola e calça jeans; todos calçados, sapatos com as mais diversas cores,
algumas alunas usavam sapatilhas na cor preta (...); se não me falha a memória
vi apenas duas crianças sem a camisa azul da escola, mas usavam a camisa branca
da SEDUC. Ninguém voltou, segundo informações, os alunos que ainda não possuem
o uniforme completo, foram a escola e conversaram com a direção e foram
liberados à assistir as aulas.
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