"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

domingo, 24 de setembro de 2017

NINGUÉM É CIDADÃO DO CÉU SEM ANTES SER UM CIDADÃO DA TERRA



Insisto em fazer algumas afirmações graves, mesmo que essas sejam contra mim ou contra o meio em que estou. Uma dessas afirmações, particularmente, incomoda, pois deixa claro o quanto os credos religiosos e/ou doutrinários são/estão completamente obsoletos e inoperantes diante do caos social e político no qual vivemos no Município/Estado/País/Mundo. Incomoda pois sou pastor.

Enquanto estive dirigindo congregações religiosas me deparei com a existência de problemas e mazelas comportamentais – morais e éticas –, que no meu entender não deveriam mais fazer parte do modus vivendi de algumas das pessoas que lá estavam; quando argumentava esse fato com líderes mais experientes, recebia deles sempre a mesma contra argumentação, “...aqui (no sistema igreja) todos continuam sendo seres humanos; erros acontecem; aqui ninguém é santo, estamos em processo de santificação; ainda não somos perfeitos; ...”, além de outras respostas prontas. Depois que deixei o convívio dos ajuntamentos religiosos e – mais uma vez – passei a vê-los de longe, percebi o quanto a diferença entre “os da religião” e “os do mundo” é inexistente; na comparação final dos comportamentos em nada se diferem.

Em 2016 passei a trabalhar diretamente com o ensino e em sala de aula e notei que minha percepção sobre a inexistente diferença entre o “mundo religioso” e o “mundo profano” era real, pois os filhos de pais ligados aos credos protestantes em nada se diferenciavam aos filhos de pais sem nenhum credo religioso (extrema minoria) e filhos de pais ligados aos credos não protestantes. Mas foi somente depois de minha assunção a gestor que percebi a gravidade da questão, EXISTIA SIM UMA DIFERENÇA COMPORTAMENTAL ENTRE ESSAS CRIANÇAS: OS ALUNOS MAIS “PROBLEMÁTICOS” ESTAVAM LIGADOS AOS CREDOS PROTESTANTES. Todos? Não, mas 80% sim.

Essa questão não está simplesmente ligada ao “credo protestante”, está ligada ao que se entende por “ser filho de DEUS”. A defesa dos pais é sempre: “filho de crente não é crentinho...”. Concordo! Mas deveria ter um comportamento diferenciado na escola e em sala de aula. Esses “filhos de crentes” deveriam ser exemplo mas não são e a razão é bem fácil de se saber.

Para que você entenda, vou fazer outra abordagem.

Hoje não tenho nenhuma dúvida de que a EDUCAÇÃO É A FORMADORA DE NOVOS CIDADÃOS E NOVAS SOCIEDADES, porém o mais assustador é que A FALTA DA EDUCAÇÃO NÃO IMPEDE A FORMAÇÃO DE NOVOS CIDADÃOS E NOVAS SOCIEDADES.

Essa questão pode ser melhor entendida sob o conhecimento de uma regra básica do desenvolvimento de softwares (programas para computadores), que é o PRINCÍPIO DA INVERSÃO DE DEPENDÊNCIAS. Segundo Ramon Silva, arquiteto e desenvolvedor de softwares, o Princípio da Inversão de Dependências é o reconhecimento de que COMPONENTES DE NÍVEIS MAIS ALTOS NÃO DEPENDEM DE COMPONENTES DE NÍVEIS MAIS BAIXOS, mas, ambos, devem depender de abstrações.

EXPLICANDO:

O CIDADÃO E A SOCIEDADE SÃO O NÍVEL MAIS ALTO DA CIVILIZAÇÃO, porque não dependem do nível mais baixo para se formar. Já, A EDUCAÇÃO É O NÍVEL MAIS BAIXO DA CIVILIZAÇÃO. Ela não é, necessariamente, a formadora do nível mais alto da civilização, mas é necessariamente a qualificadora desse nível. Mas ambos os níveis dependem da ABSTRAÇÃO para existirem. Mas o que seria, fora da realidade da compilação dos programas de computador, a ABSTRAÇÃO?

Tendo como base os esclarecimento do desenvolvedor Ramos Silva, ABSTRAÇÃO é uma CLASSE ELEMENTOS CONSTANTES, PORÉM MALEÁVEIS, FLEXÍVEIS E MUTÁVEIS RESPONSÁVEIS PELA EXISTÊNCIA DOS NÍVEIS CIVILIZATÓRIOS, seja o nível mais baixo – a educação, seja o nível mais alto – cidadãos e sociedade. SEM ABSTRAÇÃO NENHUMA DAS CAMADAS – NÍVEIS – DA CIVILIZAÇÃO EXISTEM.

Sendo objetivo: A ABSTRAÇÃO É A CLASSE DOS EDUCADORES!

Mesmo sem saber o Legislador Constitucional, de forma empírica, reconheceu esse fato e determinou tal procedimento em Lei:

“A EDUCAÇÃO, direito de todos e dever do ESTADO E DA FAMÍLIA, será promovida e incentivada com a colaboração da SOCIEDADE, VISANDO AO PLENO DESENVOLVIMENTO DA PESSOA, SEU PREPARO PARA O EXERCÍCIO DA CIDADANIA E SUA QUALIFICAÇÃO PARA O TRABALHO.” Artigo 205 da Constituição da República de 1988 com grifos meus.

Esquematizando o dito Constitucional, posso chegar ao seguinte entendimento: a ABSTRAÇÃO, professores e pais, AMBOS EDUCADORES, está permeando os processos de criação da EDUCAÇÃO, nível mais baixo, da SOCIEDADE/CIDADÃOS, nível mais alto e da CIVILIZAÇÃO, objetivo fim da ação educadora dos educadores – pais-professores-pais-professores (...), que é a formação de cidadãos e sociedades. Uma retroalimentação intermitente; não para nunca.

Desenhando para entender:


Como observado acima, é o elemento abstrativo – pais-professores, o responsável pela construção dos processos educativos, e das sociedades consequentes desse educar. Esse movimento oroborista, que não tem começo nem fim, que segue o mesmo caminho cíclico mas não se repete nunca, pois apesar de “estar sempre no mesmo lugar”, também está em “posição” diferente – conforme se vê abaixo:


A ABSTRAÇÃO (professores e pais/responsáveis) são fruto da EDUCAÇÃO (nível mais baixo) e SOCIEDADE (nível mais alto), que ela mesma forma e é formada por eles. Abstração não forma Abstração, ou seja Educadores não formam Educadores, porque entre eles não existe o Princípio da Inversão de Dependência; Porém EXISTIRÁ A EDUCAÇÃO SEM EDUCADORES da mesma forma existirá SOCIEDADE e CIVILIZAÇÃO, nesse segundo aspecto, existe a Inversão de Dependência. É a participação da ABSTRAÇÃO nesse processo espiralado de crescimento que QUALIFICA os outros componentes do processo.
(...)
Voltando ao tema do texto.

As doutrinas e credos religiosos têm pregado por séculos que seus seguidores são “cidadãos do céu” e não da terra; dizem que a todos que não pertencem a esse mundo, e coisas do tipo. Aí me bate uma preocupação desconcertante. Se o céu para onde eu vou for o mesmo que esses todos vão, pode não ser um céu e sim um inferno. Estou fora, estou fora mesmo!

Não sou melhor que nenhum ser humano vivente, mas viver novamente e eternamente em um lugar junto com pessoas que nesse plano existencial nada fizeram para melhorar a sociedade na qual vivem só por estarem esperando um “lugar especial”, não quero mesmo. Não quero mais passar tempo com pessoas que julgam e condenam os outros pela aparência, pelo modo de falar, pelo poder aquisitivo, pelas práticas sexuais, pelos estereótipos. Chega! Isso eu vivo aqui, não quero viver esse inferno depois de morto.

Tenho certeza de minha salvação – já escrevi um texto sobre isso – e sei que SALVAÇÃO é mais do que as igrejas e religiões pregam – e não me cabe discuti-la com quem quer que seja, cada um acredita nela como desejar. Mas a questão está para além do “acreditar na salvação”, ela perpassa e ao mesmo tempo finca os pés no VIVER A SALVAÇÃO.

Tenho de salvar as pessoas de mim mesmo, tenho de salvar as pessoas das minhas esquisitices e manias, precisam ser salvas dos meus demônios, dos meus fantasmas, das minhas doidices. No mundo tangível onde convivo com milhares de pessoas todos os dias, eu posso ser diabo e meu universo é o inferno delas; mas também posso ser o salvador e meu mundo o paraíso dessas pessoas já tão punidas por uma sociedade cada dia mais celestina e menos celeste, mais azul da cor do céu e desumana que humanamente divina.

Realmente, não há como ser cidadão do céu sem antes ser um cidadão da terra.

Termino o texto transcrevendo um trecho do ensino do SALVADOR:

“Pai nosso no céu!
Teu nome seja mantido santo.
Venha teu Reino;
Tua vontade seja feita na terra como no céu.”
                                               Mateus, 6:10 – Bíblia Judaica Completa, grifo meu.

Já está na hora de construirmos novos cidadãos e novas sociedades.
Deus seja com todos.


Amen.

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