O artigo de hoje, trata de assunto aparentemente irrelevante para a crença hodierna. Poderíamos nos perguntar: o que tem haver um profeta decapitado, com o ensino de Jesus? A resposta primitiva seria: Nada! Porém nada que está nos textos sagrados é “nada”, tudo tem sua importância e essa “porta” precisa ser encontrada e aberta para que possamos aprender com esse ensino. Portanto deixarei minhas impressões sobre o texto.
Continuando o Estudo do Livro de
Marcos...
“Enquanto isso, o rei Herodes
ouviu falar dessas coisas, porque a reputação de Jesus havia se tornado bem
conhecida. Algumas pessoas diziam: ‘João, o Imersor, ressuscitou dos mortos;
por isso, operam nele poderes miraculosos’. Outros diziam: ‘Ele é Elias’. E
ainda outros afirmavam: ‘Ele é um profeta, como os antigos profetas’. Mas
quando Herodes ouviu essas coisas, disse: ‘João, a quem decapitei, ressuscitou!’.
O próprio Herodes ordenou a
prisão de João, que o amarrassem e colocassem na prisão, por causa de Herodias,
mulher de Filipe, seu irmão. Herodes havia se casado com ela, mas João lhe
dissera: ‘É uma violação da Torah você se casar com a mulher de seu irmão’. Por
isso, Herodias o odiava e queria matá-lo. Mas não podia fazê-lo, porque Herodes
tinha medo de João e o protegia, por saber que ele era um justo, um homem
santo. Sempre que o ouvia, ficava profundamente abalado; mesmo assim, gostava
de ouvi-lo.
Finalmente a oportunidade
chegou. Herodes ofereceu um banquete aos nobres, oficiais e homens importantes
da Galileia, no seu aniversário. Quando a filha de Herodias entrou e dançou,
agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: ‘Peça o que quiser, e
lhe darei’. E prometeu a ela: ‘Seja o que for que me pedir, eu lhe darei: até a
metade do meu reino’. Ela saiu e perguntou à mãe: ‘Que pedirei?’. Ela
respondeu: ‘A cabeça de João, o Imersor’. A jovem voltou imediatamente ao rei
com o pedido: ‘Desejo receber neste mesmo instante, em uma bandeja, a cabeça de
João, o Imersor’. O rei ficou estarrecido, mas, por causa da promessa feita
perante os convidados, não quis descumprir a palavra dada à jovem. O rei enviou
imediatamente um soldado de sua guarda pessoal com ordens para trazer a cabeça de
João. O soldado foi, decapitou João na prisão, trouxe sua cabeça em uma bandeja
e entregou à jovem, e esta a deu à sua mãe. Quando os alunos – discípulos – de João
ouviram isso, vieram, levaram o corpo e o colocaram em um túmulo.” Marcos
6:14-29
Esse é um relato macabro. A
história contada acima, mostra como podemos ser maus. O relato encontrado no
evangelho de Marcos revela quanta maldade podemos fazer, quando colocamos nossos
desejos ou nossa vingança acima da razão.
Continuando na linha proposta para esse estudo, observo de forma não literal os
relatos dessa história macabra.
O texto se inicia com um “Enquanto
isso...”. Esse “enquanto isso” é exatamente o ensino da vida
pacificada pelo retorno ao cuidado mútuo. O ensino que estava sendo espalhado
por todos os lados, na boca e na vida dos alunos de Jesus, segundo o texto,
teria chegado ao conhecimento de um rei Herodes. Possivelmente Herodes
Antipas, filho do rei Herodes, o Grande, construtor do grande templo. Esse
Herodes, estava vivendo com a mulher de outro Herodes, seu meio-irmão Felipe.
Essa relação ilícita havia sido denunciada pelo profeta João, primo de Jesus.
Quando as notícias chegaram ao
conhecimento daquele Herodes, ele se inquietou e afirmou que Jesus seria a
encarnação de João, ou como propõe o texto em português, o próprio João
ressuscitado. É possível perceber o temor alegre de Antipas que viu
nuanças semelhantes entre João e Jesus. Temor porque ele, Antipas, havia
mandado decapitar João, e na mente doentia de um rei sem cabeça, o profeta
poderia vir para “lhe buscar”; alegria pois mesmo tendo assassinado
João, ele iria ouvir novamente as admoestações do – quem sabe – amigo
profeta.
Creio que Herodes mantinha João
preso para poder ouvir em particular o que Deus falava por meio do dele, e não
somente porque suas palavras fossem ditas em “praça pública”. Herodes
tinha ao seu alcance a voz do profeta. Esse parece o comportamento de muitas
pessoas que frequentam os templos hoje em dia. Vão lá somente para “apanhar”;
frequentam anos a fio, se “arrependendo” dos mesmos “pecados”;
passam a vida toda pedindo perdão pelos mesmos erros. Se parecem em muito com esse
Herodes. Talvez essa seja a lição que podemos tirar do episódio de Herodes
estar mantendo João preso. Essa relação adoecida onde o homem de Deus
cutuca a ferida do pecador, vem desde o tempo de João e Herodes.
Se observarmos com atenção, a
enfermidade sexual de Herodes vai além da mera relação libidinosa e
extraconjugal com a mulher de seu irmão Felipe. Ela passa pelo masoquismo, e
isso se reflete na relação adoecida com João. Mesmo sabendo-se um degenerado, o
rei gosta de sofrer ao ouvir o vociferar Divino, proveniente da boca do profeta,
e por mais estranho que pareça, João participa dessa relação ativamente por não
deixar de falar contra os atos libidinosos do rei.
Para podermos entender o que
estava acontecendo e porque o profeta João estava se intrometendo na vida do
rei, é preciso dar uma rápida olhada na história. Não é meu interesse fazer um
estudo histórico sobre os herodianos, quero apenas fazer algumas ligações
históricas, para que possamos entender o grau de loucura da família dos
Herodes.
Após a Morte de Herodes o
Grande, o imperador César Augusto, dividiu o reino entre três de seus
filhos: Herodes Arquelau governou Judéia, Samaria e Iduméia; Herodes
Antipas, governou Galiléia e Perea; Herodes Filipe II governou
Betânia, Gaulanítide, Traconites e Auranítide. Com uma de suas esposas, Mariane,
Herodes o Grande teve duas filhas, Salimpsios e Cipros, e dois filhos, Alexandre
e Aristóbulo IV. Esses quatro filhos ficaram órfãos logo cedo, após seu
pai enlouquecido, ter matado sua mãe sob a acusação de adultério.
Posteriormente, os dois irmãos também foram mortos pelo próprio pai sob a
acusação de rebelião. Porém antes da morte, Aristóbulo IV, casou-se com
uma mulher chamada Berenice com quem teve cinco filhos: Herodias,
Herodes de Calcis, Herodes Agripa I, Aristóbulo V, e Mariana. Herodes
Antipas, o assassino de João, também filho de Herodes o Grande, havia
nascido aproximadamente em 20 a.C., e estima-se que ele poderia ter entre 48 e
52 anos, quando João foi morto. Já Herodias, sua meia-sobrinha, e pivô
da morte do profeta, possivelmente tenha nascido em 15 a.C., e teria, na época,
entre 39 e 45 anos. Salomé, sua filha com Herodes Felipe, meio
irmão de Antipas, poderia ter entre 18 e 24 anos quando foi desejada
pelo tio-avô.
O que salta aos olhos de quem lê
a história narrada nas linhas do evangelho de Marcos, é o ódio que Herodias sente
pelo profeta. Sem conhecer a história fica difícil entender o motivo de tamanho
ódio, mas depois de saber minimamente quem era Herodias e como pode ter sido
sua vida, parece menos difícil perceber os motivos que deixaram aquela mulher
enlouquecida com a intromissão de João em seu relacionamento com Antipas. Ela
era filha de Arquelau IV, filho revoltado com o pai e por esse motivo, fora
morto junto com o irmão. A menina Herodias deve ter assistido o estrangulamento
do pai, por ordem do próprio avô. Não é difícil imaginar que ela pode ter ido
até o avô pedir pela vida do pai, pedido que não fora atendido. Da mesma forma
que seu pai, Herodias deve ter crescido nutrindo ódio contra toda e qualquer
autoridade herodiana. Seu pai cresceu nutrindo o mesmo ódio contra o pai Herodes,
por ter assassinado sua mãe. A filha parece crescer com o mesmo ódio.
Para mim é fácil presumir que o
trabalho da vida de Herodias era destruir a família dos Herodes, acredito que
seu “divórcio” de Herodes Felipe, se deu por ela ter conseguido fazer
fracassar a vida política do marido, que segundo a história, tornou-se uma
pessoa indesejada pelo império Romano. Ainda segundo essa linha de pensamento,
aproximar-se de outro filho do grande Herodes para destruí-lo era um plano
obvio para quem respira a vingança. Não é difícil ver na história essas situações
de vingança, onde os “vingadores” usam os próprios filhos como instrumento
para a vingança. Parece que não foi diferente nesse episódio. Diz o texto que
“... finalmente a oportunidade chegou.” Porque “Herodes ofereceu um
banquete aos nobres, oficiais e homens importantes da Galileia no seu
aniversário”. Que melhor oportunidade?
Mas qual o motivo de tanto ódio
direcionado ao profeta João? Quem sabe, as admoestações do profeta não estivessem
tirando Antipas das mãos de Herodias? Quem sabe as admoestações de João não
viessem a salvar a vida daquele Herodes, da vingança planejada por Herodias?
São conjecturas plausíveis.
Seja como for, o que importa, é
que naquele momento, a enfermidade sexual da família herodiana foi o
instrumento usado por aquela mulher com sede de vingança. Sua filha, Salomé,
dançou e encantou ao tio-avô. A tradução do texto é purista; o original está
carregado de libido; o desejo do tio-avô Antipas, era possuir sexualmente a
sobrinha-neta, e em troca desse prazer ele ofereceu até a metade de seu reino. Tudo
certo, tudo como o combinado; depois de se embebedar com o vinho e com o desejo
pela filha de sua mulher o rei descabeçado abre a guarda e promete até o que
não tem, promete o que não lhe pertence e a promessa foi aceita. Depois de
ouvir o conselho da mãe sobre o que deveria pedir, ela exige e a cabeça
pensante do profeta João, o imersor. Aquele que batizava, aquele que
identificava as pessoas com o rumo que elas deveriam tomar, aquele que marcava
com água a nova direção de vida, aquele que ungia a cabeça dos redimidos pelo
arrependimento. Com a cabeça de João, viriam seus olhos que tudo viam, sua boca
que tudo falava.
“Tudo, menos a vida de meu
profeta de estimação”, pode ter pensado ou cochichado consigo mesmo o rei
descabeçado. Mas não havia o que fazer, não havia como dizer “não”.
Imagino que todo o desejo, toda a virilidade do rei deve ter se esvaído como o
sangue do profeta. Não havia mais virilidade, não havia mais desejo, só havia a
consumação do plano destrutivo de uma mulher adoecida pelo sexo, que adoece
quando não é mantido sob controle. A vingança muitas vezes vem nos braços dos
amantes sexuais, que envenenam com beijos e carícias. Foi assim com Herodes Antipas,
é assim com qualquer um que não põe em Deus e nas suas Leis o seu prazer.
A história conta que depois de
Jesus ter sido condenado a morte, Herodias fez com que Antipas fosse até Roma,
requerer o reinado sobre a Judeia. Esse fato teria desgostado ao Imperador,
causando a destruição política e posterior morte de Antipas. Mais uma vitória
para o plano de vingança de Herodias.
E hoje, como aplicar os ensinos
contidos nesse texto aparentemente estranho a nossa religiosidade? Por enquanto,
vejo algumas:
1) Todas as vezes que os desejos
prevalecerem sobre a razão, alguém perderá a cabeça;
Não é difícil
entender isso, basta olharmos o noticiário, onde famílias são destruídas por
pessoas descabeçadas, que não conseguiram controlar sua libido e buscaram o prazer
com outra pessoa que não seus respectivos cônjuges.
2) Todas as vezes que um profeta
de Deus mantiver um relacionamento com alguém sexualmente enfermo, ele irá
perder a cabeça;
Nem precisa
ser um relacionamento físico, basta ser qualquer relacionamento que não tenho
diretrizes definidas pelo sacerdote. Todos nós sacerdotes, somos tentados a
servir de salva-vidas para pessoas com problemas sexuais, mas esquecemos que
muitas vezes podemos passar de “salvadores” à “náufragos”. Não há
como brincar com fogo sem ser queimado por ele. Todas as vezes que um sacerdote
não tiver seu foco no objetivo de Deus ele irá perder a cabeça, a família, o
ministério, a moral. Só não a salvação, mas recomeçar sempre é mais difícil que
resistir. Nesses momentos, é melhor dizer o que Jesus disse: “...vai, larga
tudo e me segue...”. Se não for assim, “cabeças vão rolar”.
3) Sempre que nosso sentimento de
justiça for maior que o senso de justiça Divina, iremos pedir a cabeça de
alguém e nesse momento, a nossa irá junto para a bandeja;
Nos dias de
hoje, nosso justicismo está à flor da pele. Não aceitamos mais tanta
injustiça, tanto comportamento injusto, tanto comportamento leviano, bandido,
desrespeitoso. Estamos cheios de tanta roubalheira e isso tende a nos fazer
justiceiros. Seja agindo, seja influenciando por palavras ou textos. Mas a
atitude correta, está no caminho do meio. Nem “sangue de barata” nem “sangue
nos olhos”. Precisamos agir de forma divina, entregando a Deus nossas
ansiedades porque ele tem cuidado de nós. Sem isso, nossa cabeça vai para a bandeja
(...) .
4) Sempre que nos acharmos os “donos
da verdade”, estaremos sendo sepultados, mesmo que sejamos reconhecidos por
muitos como boas pessoas.
Na mesma
esteira do justicismo, estão os “donos da verdade”. Aqueles que
acham que sabem de tudo, aqueles que se acham os melhores, aqueles que se
julgam insubstituíveis. Esses são sepultados por seus seguidores, por seus
admiradores, que por não saberem quem são, rapidamente trocarão de ídolo. Quem
não sabe quem é, pensa ser algo maior do que realmente é. Esses são os sepultados
sem cabeça e serão esquecidos.
5) Sempre que nosso desejo de
vingança for maior que nossa razão, estaremos dançando para os mercadores de
emoções, que nos oferecerão seus reinos, se nos ajoelharmos em adoração ao ódio
e à vingança.
Aos
vingadores fica somente o aviso: o tentador, o príncipe do século, o senhor da
maldade estará sempre disposto a oferecer não só a metade, mas todo o seu
reino, toda a sua riqueza, tudo que diz possuir para ver você bebendo do
acre-doce vinho da vingança. Não é fácil, mas é melhor esperar a vingança de
Deus. Se você acredita na palavra d’Ele, leia: “A VINGANÇA PERTENCE A DEUS ...”
Romanos 12:19; Hebreus 10:30.
Enquanto os alunos de Jesus
espalhavam a semente da vida que cuida, Herodes perdia a cabeça por desejar a
sobrinha-neta e possuir a sobrinha. Enquanto a vida vinda por Jesus era
plantada com autoridade dos que sabem quem são, Herodias arrancava a vida do
profeta que mantinha viva a vida do rei. Enquanto Jesus curava, Herodes matava.
Concluindo, peço que você tenha a
coragem de rever seus valores, seus comportamentos, seus pensamentos, seus
desejos, seus ódios, suas vinganças, seus amores, seus prazeres, (...). Não se
deixe enlouquecer nem pelo desejo, nem pela vingança. Caso contrário, todos perderão
a cabeça.
Deus lhe abençoe.
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