Na noite do dia 9 de setembro, gastei um bom tempo bom, com um
casal de queridos. Queria lhes falar da minha preocupação de que não cometessem
os mesmos erros que cometi em relação ao amor, mas fui surpreendido por situação
inusitada: apaziguar o amor deles. Jovenzinhos em pé de guerra, por não
compreenderem o que sentem, amam-se, mas não entendem ainda esse tão grande
amor que os une. E eu no meio do meu mar existencial, tentando entender o que é
o amor; diante da vida sofrendo, chorando e esparramada no chão (...), me vi
apaziguando esses queridos (...); Deus tem cada uma...
A antítese das afirmações que o Apóstolo Paulo faz desse
verso quatro em diante são assustadoras.
“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.” I Coríntios 13:4 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel)
Como pode um ser que sofre ainda ser benigno? Como pode um
ente que sofre por amar não invejar o “não sofrer” de outras pessoas que lhe
cercam? Como pode quem sofre não agir ou julgar irrefletidamente, não ser irresponsável
com as consequências de sua dor? Como explicar não usar da soberba moral para
justificar esse sofrer? Isso é antitético, esse proceder amalucado de amor está
fora do lugar comum.
O sofrimento, esse sentimento que levamos sempre para as
questões afetivas, pode também ser oriundo de uma dor moral. No campo dos
relacionamentos a dor moral muitas vezes causa mais sofrimento que o sofrimento
por amar. Somos animais morais e temos uma cartilha de condutas morais,
moralistas e moralizantes. Agimos com leviandade quando, segundo definição do
Aurélio, julgamos de forma irrefletida, inconsequente, com uma moralidade
exacerbada aquilo que acontece conosco no campo das relações afetivas. Nos
julgamos imorais por amar como amamos, nos julgamos inconsequentes por sentir o
que sentimos, por quem sentimos. Mas também julgamos por achar que nosso ente
amado não nos ama como nós o amamos; é inconsequente julgar o ente amado só por
não percebermos o mesmo tipo de amor; é imoral julgar o ente amado só por ele
nos amar livremente e talvez, nós, aprisionadamente (...).
É preciso ter sempre em mente que nossa moralidade pode
ficar adoecida por ditames sociais, culturais e religiosos, essa exageração
moral nos faz sofrer sem que nada se aproveite de concreto desse sofrimento.
Sofremos moralmente por não deixarmos de amar quem amamos e como amamos,
sofremos inconsequentemente por amar quem achamos que não merece nosso amor. Se
é assim, então a moralidade não é amor, nem consequência dele (...).
Rabi Bonder diz em seu livro “A Alma Imoral”:
***
"A experiência humana é marcada pela alternância de estados
despertos e de torpor. Construímo-nos a partir dos acampamentos que fazemos e
do levantar dos mesmos. Mas o rabi Nahum quer frisar a importância de se
“horrorizar”, que é um dos sinais de percepção dos lugares estreitos. Quem não
se horroriza perde a capacidade de detectar a estreiteza. Nossa insensibilidade
se beneficia daquilo que não rompe, das ditas
“boas ações” que não ferem os códigos da moral animal. Cada vez que fazemos o
esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe em nós uma
tendência de querer agradar a nós, aos outros e à moral de nossa cultura.
Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos. E
o despertar é a capacidade de perceber situações horríveis em nossas vidas,
tanto no plano particular como no social e cultural. Desse horror surge uma
nova forma de ser, uma nova forma de “família”, uma nova forma de “propriedade”
e uma nova forma de “tradição”. A imutabilidade do ser e da família, da
propriedade e da tradição é a proposta desesperada de negar a natureza humana,
que é mutante e requer novas formas de “moral”.
Entre uma moral e outra o ser humano volta a se despir e,
desperto, se recorda de sua alma. A esse despertar se referia o maguid de
Mezeridz: “Um cavalo que se sabe cavalo não o é. Este é o árduo trabalho do ser
humano: aprender que não é um cavalo.”
A alma se faz perceptível no despertar e no horror. Em ambos
os casos ela se volta para a reconstrução do passado. Para este, por sua vez,
ela é sempre imoral e perigosa."
***
Esse exercício comum da moralidade hodierna nos leva ao
lugar comum dos sofrimentos sacrificiais. Porém o exercício da imoralidade que
rompe as barreiras do útero moral é onde o amor pode ser encontrado como uma
nova forma de tradição, como um novo parâmetro, como uma nova forma de ver e
viver a vida. Romper com os laços da ordinariedade hodierna não é fácil para
ninguém, da mesma forma que ser sofredor e bondoso também não é. E a esta
segunda afirmação, Paulo chama de amor.
O amor não é invejoso. O amor não se sente desgostado pela
felicidade do ente amado em seus voos livres; o amor não se torna violento
desejando possuir a todo custo a liberdade do ente amado; essa inveja da
liberdade alheia pode ter se originado na falta de coragem de se lançar num voo
livre dos conceitos morais circunstanciais e por vezes desgastantes.
O Apóstolo afirma categoricamente que o amor é o lugar das
antíteses: sofrer mas ainda assim ser bondoso; sofrer mas ainda assim não
sentir inveja de quem não sofre; sofrer mas não julgar nada nem ninguém – muito
menos a si mesmo; sofrer e não se gabar por estar sofrendo de amor.
Aqui, começo entender o que é amor, o que é amar; é o sentimento
antitético que denuncia quem ama como um bobo, um leso, um desprovido de amor
próprio, um apaixonado inveterado, um “qualquer coisa” por amor. Creio assim,
porque sofrer e ser bom, é só pra quem ama.
Nele, que tornou-se imoral, por amor ao imorais.
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