"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

REFLEXÕES SOBRE O AMOR – parte IV

Na noite do dia 9 de setembro, gastei um bom tempo bom, com um casal de queridos. Queria lhes falar da minha preocupação de que não cometessem os mesmos erros que cometi em relação ao amor, mas fui surpreendido por situação inusitada: apaziguar o amor deles. Jovenzinhos em pé de guerra, por não compreenderem o que sentem, amam-se, mas não entendem ainda esse tão grande amor que os une. E eu no meio do meu mar existencial, tentando entender o que é o amor; diante da vida sofrendo, chorando e esparramada no chão (...), me vi apaziguando esses queridos (...); Deus tem cada uma...

A antítese das afirmações que o Apóstolo Paulo faz desse verso quatro em diante são assustadoras.

“O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.” I Coríntios 13:4 (texto extraído da versão bíblica Almeida Corrigida e Fiel)

Como pode um ser que sofre ainda ser benigno? Como pode um ente que sofre por amar não invejar o “não sofrer” de outras pessoas que lhe cercam? Como pode quem sofre não agir ou julgar irrefletidamente, não ser irresponsável com as consequências de sua dor? Como explicar não usar da soberba moral para justificar esse sofrer? Isso é antitético, esse proceder amalucado de amor está fora do lugar comum.

O sofrimento, esse sentimento que levamos sempre para as questões afetivas, pode também ser oriundo de uma dor moral. No campo dos relacionamentos a dor moral muitas vezes causa mais sofrimento que o sofrimento por amar. Somos animais morais e temos uma cartilha de condutas morais, moralistas e moralizantes. Agimos com leviandade quando, segundo definição do Aurélio, julgamos de forma irrefletida, inconsequente, com uma moralidade exacerbada aquilo que acontece conosco no campo das relações afetivas. Nos julgamos imorais por amar como amamos, nos julgamos inconsequentes por sentir o que sentimos, por quem sentimos. Mas também julgamos por achar que nosso ente amado não nos ama como nós o amamos; é inconsequente julgar o ente amado só por não percebermos o mesmo tipo de amor; é imoral julgar o ente amado só por ele nos amar livremente e talvez, nós, aprisionadamente (...).

É preciso ter sempre em mente que nossa moralidade pode ficar adoecida por ditames sociais, culturais e religiosos, essa exageração moral nos faz sofrer sem que nada se aproveite de concreto desse sofrimento. Sofremos moralmente por não deixarmos de amar quem amamos e como amamos, sofremos inconsequentemente por amar quem achamos que não merece nosso amor. Se é assim, então a moralidade não é amor, nem consequência dele (...).

Rabi Bonder diz em seu livro “A Alma Imoral”:

***
"A experiência humana é marcada pela alternância de estados despertos e de torpor. Construímo-nos a partir dos acampamentos que fazemos e do levantar dos mesmos. Mas o rabi Nahum quer frisar a importância de se “horrorizar”, que é um dos sinais de percepção dos lugares estreitos. Quem não se horroriza perde a capacidade de detectar a estreiteza. Nossa insensibilidade se beneficia daquilo que não rompe, das ditas “boas ações” que não ferem os códigos da moral animal. Cada vez que fazemos o esperado, reforçamos um padrão humano automático de torpor. Existe em nós uma tendência de querer agradar a nós, aos outros e à moral de nossa cultura.

Com isso vamos gradativamente nos perdendo de nós mesmos. E o despertar é a capacidade de perceber situações horríveis em nossas vidas, tanto no plano particular como no social e cultural. Desse horror surge uma nova forma de ser, uma nova forma de “família”, uma nova forma de “propriedade” e uma nova forma de “tradição”. A imutabilidade do ser e da família, da propriedade e da tradição é a proposta desesperada de negar a natureza humana, que é mutante e requer novas formas de “moral”.

Entre uma moral e outra o ser humano volta a se despir e, desperto, se recorda de sua alma. A esse despertar se referia o maguid de Mezeridz: “Um cavalo que se sabe cavalo não o é. Este é o árduo trabalho do ser humano: aprender que não é um cavalo.”

A alma se faz perceptível no despertar e no horror. Em ambos os casos ela se volta para a reconstrução do passado. Para este, por sua vez, ela é sempre imoral e perigosa."
***

Esse exercício comum da moralidade hodierna nos leva ao lugar comum dos sofrimentos sacrificiais. Porém o exercício da imoralidade que rompe as barreiras do útero moral é onde o amor pode ser encontrado como uma nova forma de tradição, como um novo parâmetro, como uma nova forma de ver e viver a vida. Romper com os laços da ordinariedade hodierna não é fácil para ninguém, da mesma forma que ser sofredor e bondoso também não é. E a esta segunda afirmação, Paulo chama de amor.

O amor não é invejoso. O amor não se sente desgostado pela felicidade do ente amado em seus voos livres; o amor não se torna violento desejando possuir a todo custo a liberdade do ente amado; essa inveja da liberdade alheia pode ter se originado na falta de coragem de se lançar num voo livre dos conceitos morais circunstanciais e por vezes desgastantes.

O Apóstolo afirma categoricamente que o amor é o lugar das antíteses: sofrer mas ainda assim ser bondoso; sofrer mas ainda assim não sentir inveja de quem não sofre; sofrer mas não julgar nada nem ninguém – muito menos a si mesmo; sofrer e não se gabar por estar sofrendo de amor.

Aqui, começo entender o que é amor, o que é amar; é o sentimento antitético que denuncia quem ama como um bobo, um leso, um desprovido de amor próprio, um apaixonado inveterado, um “qualquer coisa” por amor. Creio assim, porque sofrer e ser bom, é só pra quem ama.


Nele, que tornou-se imoral, por amor ao imorais.

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