"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

domingo, 30 de março de 2014

VOCÊ É O QUE VOCÊ FALA, E NÃO O QUE VOCÊ FAZ.


Continuando o estudo do livro de Marcos. No episódio relatado no texto em questão, encontramos Jesus sendo confrontado com uma prática ritual religiosa, possivelmente, criada pelo clero judaico. Tal prática, “o ritual de lavar as mãos”, ainda é praticado.

Mas o confronto não se deu por esse motivo. As questões eram mais viscerais, eram profundas e intestinais. A revolta daqueles líderes religiosos que se diziam detentores dos segredos da sacralidade, exalava por seus poros. A superioridade intelectual de Jesus os deixava irritados e como – aparentemente – não possuíam competência para confrontá-lo nesse campo, a força era sua única “arma”. Diz o texto de Marcos, no capítulo sete, dos versos um a vinte e três.

Os fariseus – comentaristas – e alguns escribas – escritores – da Torah provenientes de Jerusalém se reuniram com Jesus e viram que alguns de seus alunos – discípulos – comiam tendo as mãos ritualmente impuras, isto é, sem realizar o ritual de lavagem das mãos. (Porque os fariseus – comentaristas –, de fato, todos os habitantes de Judá mantinham a tradição dos anciãos: não comer, a menos que tivessem realizado a lavagem ritual das mãos. Também ao virem do mercado não comiam até terem lavado as mãos à altura do pulso; e eles mantêm muitas outras tradições, como a lavagem de copos, potes e recipientes de bronze.)

Os fariseus – comentaristas – e escribas – escritores – da Torah lhe perguntaram:

“Por que seus alunos – discípulos – não vivem de acordo com a tradição dos anciãos, mas, em vez disso, comem com as mãos ritualmente impuras?”.

Jesus lhes respondeu:

“Isaías – yesha-yahu – [o anunciante da] salvação de Deus – estava certo ao profetizar a respeito de vocês, hipócritas, como está escrito:”

'Estas pessoas me honram com os lábios, mas o coração está muito longe de mim. Sua tentativa de me adorar é inútil, porque ensinam regras inventadas por homens como se fossem doutrinas’.

“Na verdade, vocês se afastam do mandamento divino e se apegam à tradição humana”.

Jesus continuou a dizer-lhes:

“Vocês, se tornaram especialistas em fugir do mandamento de Deus, a fim de manterem suas tradições! Moisés disse:”

‘Honre seu pai e sua mãe' e,
'todo o que amaldiçoar seu pai ou sua mãe deverá ser executado'.

Entretanto, vocês dizem que se alguém disser ao pai ou à mãe:

‘Prometi como korban (isto é, uma oferta para Deus) o que poderia ter usado para lhe ajudar’,

essa pessoa fica desobrigada de realizar qualquer coisa em prol do pai ou da mãe. Portanto, mediante a tradição perpetuada por vocês, anula-se a Palavra de Deus! E vocês ainda fazem outras coisas semelhantes.”

Então Jesus chamou novamente as pessoas e lhes disse:

“Prestem atenção, todos vocês, e entendam isto! Não existe nada no exterior de uma pessoa que, entrando nela, a torna impura. Ao contrário, as coisas que procedem da pessoa é que a tornam impura!”

Ao deixar as pessoas e entrar na casa, os alunos – discípulos – lhe fizeram perguntas acerca da parábola (mashal). Ele respondeu:

“Então vocês também não entendem? Não percebem que nada que entra na pessoa pode torná-la impura? Porque isso não atinge o coração, apenas o estômago, e de lá vai para a latrina”.

(Dessa forma, ele declarou todos os alimentos ritualmente puros.)
“O que sai da pessoa",

ele continuou,

“é o que a torna impura. Porque de dentro do coração da pessoa, procedem: maus pensamentos, imoralidade sexual, roubo, assassinato, adultério, cobiça, rancor, engano, indecência, inveja, calúnia, arrogância e insensatez. Todas essas coisas perversas procedem de dentro da pessoa e a tornam impura.”
Marcos: 7:1 a 23

Depois, de ter feito tudo que fez, Jesus agora era confrontado por um grupo de estudiosos das leis religiosas; talvez, equivalentes aos teólogos e doutores em teologia dos nossos dias. Com eles, estavam seus amanuenses, os escritores dos textos sagrados. Essas duas classes de líderes religiosos dominavam os dias de Jesus. Suas interpretações dos textos bíblicos e seus comentários sobre os mesmos, em alguns casos, perduram até hoje. Mas, o fato de serem intérpretes, comentaristas e escritores da lei religiosa não os fazia melhores que Jesus. Pelo contrário, a inteligência de Jesus era superior à deles e isso os deixava desconcertados e enraivecidos.

Nesse confronto com o mestre, eles o questionaram sobre o ritual de lavagem cerimonial das mãos. A questão levantada pelos religiosos não se focava na não observância dele, por parte dos discípulos, seu foco era a resposta. Como aquele mestre libertário iria responder aos questionamentos teológicos daqueles doutores da lei religiosa? Ao lermos o texto com atenção, perceberemos que a pergunta não se dirigia ao que Jesus fazia, mas sim ao que “alguns dos seus alunos” faziam. Não eram todos, eram “alguns”. Esses – alguns – não haviam lavado suas mãos ritualisticamente, por isso seu mestre estava sendo questionado. Mas o texto não diz que Jesus havia realizado o ritual de lavagem das mãos. Parece que a intenção dos religiosos era desqualificar o ensino de Jesus por causa do comportamento impróprio, de alguns de seus alunos. É sempre assim que a religião faz, tenta nos desqualificar por nossas atitudes, ou pela atitude de alguém que está conosco.

Imagino que muitas vezes o ministério de meus pais foi questionado, foi posto em dúvida, devido ao comportamento dos filhos. Acredito que nossos pais sofreram muitos ataques por causa das nossas escolhas. Todos nós, filhos de Geraldo e Ruth Rocha, continuamos sendo quem somos – ou quem pensamos ser. Quando saio acompanhando papai Geraldo em suas compras, ele do seu jeitinho tradicional, com seu bigodão branco, e eu, um tanto extravagante com minha barba grisalha e cabelos grandes e desalinhados, não nos constrangemos pelo que somos. Nem ele, nem eu. E ele é assim com todos os outros filhos. Hoje me vejo em situação igual à de meu velho e amado pai, meus filhos, têm seus caminhos, fazem suas escolhas e nem por isso o que ensino aos meus alunos – que não são meus filhos – é menos verdade ou menos importante, do que eu ensino e ensinarei aos meus filhos – enquanto viver e for necessário ensiná-los. Não importa como nos vestimos, nem o que fazemos, somos todos filhos de Geraldo e Ruth Rocha, assim como meus filhos são meus filhos e filhos de suas mães. Temos orgulho de ser filhos de quem somos e ser pais de quem somos.

Como um pai zeloso, Jesus partiu em defesa de seus alunos, contra a falta de respeito dos religiosos. A pouca inteligência da religião constrói casas sobre a areia, perto da água, no meio do caminho da chuva. O dito dos religiosos os destruiu. Aquela cultura era a prática dos anciãos, dos velhos, dos pais. Ao usarem essa justificativa para dar força ao argumento de que os alunos de Jesus estavam desrespeitando a memória dos pais, Jesus contra-atacou usando a mesma figura de linguagem. O ensino dos pais era cuidar da família, mas aqueles religiosos estavam ensinando que DAR DINHEIRO PARA A RELIGIÃO era mais importante que cuidar da família. A palavra de Deus, proveniente da boca dos pais da nação judaica, estava sendo torcida pelos líderes religiosos que entendiam-se detentores das verdades divinas. Mas a verdade era outra. Jesus os confronta consigo mesmos. Ele os divide em duas partes, e as põe uma contra a outra.
A questão proposta foi:

Se fazer – cuidar da família – o que a lei dos pais dizia era o correto, porque eles faziam o contrário – não cuidavam dos pais – dizendo ser o correto?

Entenderam?

O que Jesus perguntou foi o seguinte: SE O “FAZER” COM BASE NO DITO DOS PAIS ERA O CORRETO, PORQUE ENTÃO, ELES DIZIAM QUE ERA POSSIVEL FAZER O CONTRÁRIO?
A resposta pode estar na forma correta de entender o mandamento: “Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.” Êxodo 20:7. Tomar o nome de Deus em vão, é transformar em Divino – Deus –, tudo aquilo que é humano; e transformar em humano, tudo aquilo que é Divino – Deus.

Aqueles religiosos estavam cometendo antes de tudo, o pecado de tomar o nome de Deus em vão, transformando as palavras deles em palavras e atos Divinos. Fica claro no texto, que a palavra de Deus é CUIDAR DA FAMÍLIA e não dar dinheiro para deus.

Após esse desmascaramento da religião humana, animal e diabólica, Jesus alertou aos seus alunos que “... não existe nada no exterior de uma pessoa que, entrando nela, a torna impura. Ao contrário, as coisas que procedem da pessoa é que a tornam impura!”. Jesus afirmou categoricamente que tudo que nos serve de alimento é puro, pois passará pelo fogo da digestão, pelo vale da decomposição para virar emoção, inteligência e ação. Isso é espiritualidade.

Finda a discussão. Não havia competência na religião para confrontar Jesus.

Dentro de casa, em particular, os alunos perguntaram ao mestre a explicação da mashal. O termo foi traduzido, pelos atuais religiosos, como se fosse “parábola”, mas não é. Parábola, segundo James Strong é chuwd, propor um enigma, ou chiydah, que é propriamente parábola ou enigma. No texto de Marcos, o termo hebraico usado é mashal, que tem o sentido de “sentença proferida por alguém de inteligência superior”. E foi exatamente isso que aconteceu, a inteligência de Jesus era proporcional a sua espiritualidade, da mesma forma que suas emoções também eram superiores, bem como suas ações. A inteligência de Jesus vinha do alto, sua mente estava presa no reino de Deus. Suas emoções plantadas na terra, no cuidado com a família, com os necessitados. Suas ações eram intermediárias, mistas, confusas: terrenamente divinas e divinamente terrenas. Esse é Jesus. O Filho de Deus. Bendito seja o ETERNO, que nos mostrou seu imenso amor, em Jesus, o salvador.

A explicação que Jesus dá aos alunos – a todos nós, seus alunos – chega até ser hilária, ou tragicômica. Sua afirmação é simples e direta: TUDO QUE, NA PALAVRA DE DEUS, NÃO É DIVINO, VIRA BOSTA. Ponto.

E é isso mesmo, tudo que pretende nos alimentar e não o faz, sai em forma de fezes, vai para a latrina. Foi isso que ele disse. Nada mais. O ensino religioso humano e bosta, para Jesus são a mesma coisa.
Mas nem isso contamina. Nem esse monte de fezes contamina, pois quem age nos filhos da salvação é o espírito Santo que nos convence de tudo.

O que nos contamina é o que sai da nossa boca. O que nos contamina é o que somos, e somos o que falamos não o que fazemos. Somos o que falamos, porque a fala vem da mistura da emoção e da inteligência. A fala é a ação dessa mistura intelecto-emocional. Diante do que falamos – seja o que for e para quem for – nossas atitudes não falam nada, nossa fala, diz tudo. SOMOS O QUE FALAMOS. “Porque de dentro do coração da pessoa, procedem: maus pensamentos, imoralidade sexual, roubo, assassinato, adultério, cobiça, rancor, engano, indecência, inveja, calúnia, arrogância e insensatez. Todas essas coisas perversas procedem de dentro da pessoa e a tornam impura.”

Termino esse texto sem amarrá-lo, sem defini-lo, sem empregá-lo à vida. Deixo essa responsabilidade com você. Saiba.

SOMOS O QUE FALAMOS, E NÃO O QUE FAZEMOS.
Deus lhe abençoe.


domingo, 23 de março de 2014

A CASA DA PROVISÃO FICA NO LADO DE CIMA, ONDE O VENTO É CONTRÁRIO.



Continuando o estudo do livro de Marcos...

“Jesus fez os alunos – discípulos – entrarem imediatamente no barco e irem adiante dele para a outra margem do lago, em direção a Beit-Tzaidah, enquanto ele despedia as multidões. Depois disso, ele subiu às montanhas para orar. Quando caiu a noite, o barco estava bem distante, e ele estava sozinho na margem. Viu que estavam com dificuldade para remar, porque o vento era contrário. Então, por volta das quatro horas da manhã, Jesus foi na direção deles andando sobre o lago. Queria chegar até eles; mas, quando o viram andando sobre o lago, pensaram tratar-se de um fantasma e começaram a gritar; pois todos eles o haviam visto e ficaram aterrorizados. Entretanto, ele lhes disse: ‘Coragem, sou eu. Parem de ter medo!’. Ele entrou no barco, e o vento cessou. Eles estavam completamente pasmos, porque não haviam entendido o que acontecera em relação aos pães; ao contrário, o coração deles foi endurecido.
Depois da travessia do lago, pararam em Ginosar – Genezaré – e ancoraram. Tão logo saíram do barco, as pessoas reconheceram Jesus e começaram a percorrer toda a região levando pessoas doentes em macas a qualquer lugar onde dissessem que ele estava. Aonde quer que ele fosse, em aldeias, cidades ou no campo, levavam os doentes ao mercado. Imploravam-lhe que deixassem-nos tocar mesmo que na sua roupa, e todos os que tocavam nelas eram curados.” Marcos 6:45 a 56.

Depois de terem aprendido da maneira mais desconcertante, que o verdadeiro milagre não está em consubstanciar nada em pão e nada em peixe, mas sim dividir seus “pães” e seus “peixes” com quem nada tem, os alunos de Jesus, foram por ele, despedidos, mandados embora. O texto mostra a pressa do mestre em se ver livre dos alunos – ainda – famintos da confiança que vem do alto; são quase que empurrados para dentro de um barco. Enquanto eles partiam talvez sem entender nada, Jesus ficava para “despedir as multidões...”.

A direção que Jesus deu aos alunos, foi a cidade de Beit-Tzaidah (Betsaida), do outro lado do lago. Mais uma vez a figura do “outro lado”, se mostra no ensino do Filho de Deus. Betsaida, é a junção das palavras Beitcasa e Tzaidahprovisão, alimento. Jesus mandara seus alunos para a “Casa da Provisão”; agora não para o “lado de dentro”, mas para o “lado de cima”. Enquanto eles navegavam para esse “lado de cima”, Jesus caminhava para o “seu lado de cima”. O lugar “de cima” para onde Jesus foi, é uma montanha.

A figura da montanha, tem no imaginário religioso, lugar especial e místico. A montanha representa nesse imaginário o lugar onde “Deus está”. Mas Jesus não compartilha da mística religiosa, para ele a montanha é lugar para ser transposto, escalado, conquistado, vencido. E é nessa perspectiva que ele escala e vence a montanha. Depois de vencer, ele vai orar. Mas a oração não é para os vencedores, é para os lutadores, para os que estão subindo suas montanhas particulares. A montanha que Jesus subiu para orar, era somente um estágio da verdadeira “montanha” que ele estava para subir. O madeiro.

Enquanto Jesus falava com seu Deus, no seu “lado de cima”, os alunos remavam contra o vento. Sem saber que haviam chegado no “lado de cima” para o qual Jesus os mandara, não perceberam que a “casa da provisão” lhes aprovisionaria de fôlego, de ar, de entusiasmo, de vivacidade, de vigor, de coragem, de paciência, de disposição, de espírito profético, de desejo pelo sagrado, de caráter moral, de capacidade. Bastava orar. O “vento contrário”, era o contrário a tudo que o Espírito – vento – aprovisiona aos consolados por Ele. Aqueles alunos estavam remando contra o vento, não se deixando levar pelo Espírito que os queria possuir e ensinar.

O texto diz que “ao ver” que seus alunos remavam contra a “maré de vida” que os queria possuir, resolver ajudar-lhes. Todo socorro acontece quando a pessoa que é socorrida não conseguiria pelas próprias forças “se salvar”, então a “salvação” precisa ser externa. E foi isso que Jesus fez, teve de salvar seus alunos, porque mais uma vez não haviam entendido a parábola da “casa da provisão” que o Mestre lhes estava ensinando. O socorro de Jesus chega com assombro e com medo. Jesus caminhava sobre as águas.

A salvação de Jesus sempre será “assombrante”, sempre será amedrontadora. Sempre será porque ele nunca deixa seu “lado de cima”, ele nunca larga as mãos de quem O carrega. Seu Pai, o Eterno. Naquele episódio, Jesus “saiu” do seu “lado de cima”, para o “lado de baixo” dos alunos. Ele “saiu” de sua “casa de provisão”, para a “casa da desprovisão” dos alunos. Em outro evangelho, Pedro pede para ir ao encontro de Jesus, ainda sobre as águas, mas sua falta de segurança no “lado de cima”, lhe deixou afundar.

Depois que o assombro e o vento passaram, Jesus e seus alunos chegam ao lugar geográfico, do outro lado do lago. O lugar é a cidade de Genezaré, no hebraico Ginesar ou Ginosar que significa “harpa”. As harpas são instrumentos musicais, e sempre que as ouço ou lembro delas, me vem a mente o Salmo 150. Penso que naquele momento, o “lugar das harpas”, o “lugar do louvor” é o lugar óbvio para quem está subindo seus montes, enfrentando seus medos, mas sempre seguro no “lado de cima”, o lugar da salvação. Diz o texto que todos da “cidade das harpas” e das cidades vizinhas, em coro, foram até o salvador, levantaram de suas macas, deixaram seus comodismos, enfrentaram seus caminhos, suas estradas, seus temores, suas dores, para pelo menos, tocarem num pedacinho de roupa daquele que salva. E foram salvos. Eles, os salvos, seguraram com as duas mãos, no “lado de cima”, na “provisão” de vida que lhe foi ofertada por Deus.

É por isso que: A CASA DA PROVISÃO FICA NO LADO DE CIMA, ONDE O VENTO É CONTRÁRIO.


Deus lhe abençoe.
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domingo, 16 de março de 2014

DIVIDIR PARA MULTIPLICAR



Em minha opinião o que mais atrapalha o entendimento do que está ESCRITO na Bíblia, são os “jeitinhos” dados pelos “estudiosos”. Um desses “jeitinhos”, é a introdução no corpo do texto, dos “intertítulos”; aqueles textinhos que titulam o assunto possivelmente contido no texto consequente. Essas divisões foram introduzidas no corpo do texto bíblico por Eusébio de Cesareia, um bispo de Cesareia, reconhecido como o “pai da história da Igreja”. Foi possivelmente esse bispo que dividiu os textos bíblicos em assuntos ou temas, dando-lhes um título. E é nesse momento que o leitor bíblico que desconhece tal fato, acha que, “tudo que está impresso é original”. O estudo de hoje, propõe uma leitura do que está escrito no texto, sem a influência da divisão eusebiana.

Vamos ao estudo...

"Os que haviam sido enviados se reuniram com Jesus e lhe contaram tudo o que tinham feito e ensinado. Havia muitas pessoas indo e vindo, a ponto de eles não terem tempo para comer. Então Jesus lhes disse: ‘Venham comigo para um lugar onde poderemos ficar sozinhos. Lá vocês descansarão um pouco’. Então eles se afastaram para um lugar à parte. Entretanto, muitas das pessoas que os viram sair, reconheceram-nos, correram a pé de todas as cidades e chegaram ao lugar antes deles. Quando Jesus saiu do barco e viu a grande multidão, começou a lhes ensinar muitas coisas, cheio de compaixão por eles, porque eram como ovelhas sem pastor.

Já era tarde. Os alunos – discípulos – se aproximaram dele e disseram: ‘Este é um lugar afastado, e está ficando tarde. Mande o povo embora para irem aos campos e povoados da vizinhança comprar algo para comer’. Mas ele lhes respondeu: ‘Vocês mesmos devem dar a eles algo para comer!’. Eles disseram: ‘Devemos ir e gastar muito dinheiro com pão e dá-lo para ser comido?’. Jesus lhes perguntou: ‘Quantos pães vocês têm? Vão e verifiquem’. Quando descobriram, disseram: ‘Cinco pães e dois peixes’. Ele ordenou a todos que se sentassem em grupos sobre a grama verde. Eles se sentaram em grupos de cinquenta e de cem. Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes e, olhando em direção ao céu, disse um agradecimento ao Pai. A seguir, partiu-os pães e começou a dá-los aos alunos – discípulos – para serem distribuídos. Ele também dividiu os dois peixes entre todos. Todos comeram tanto quanto quiseram, e os alunos – discípulos – recolheram doze cestos cheios com pedaços de pães e peixes. O número de homens que comeram os pães era de cinco mil.” Marco 6:30 a 44.

Para mim está clara a falta de compreensão do texto acima. Não encontramos o termo “multiplicar”, nem alusão a algum tipo de prática multiplicadora. Encontramos o termo “repartir”chalaq – , que por sua vez tem sua raiz – segundo o dicionário Strong – no termo “Efraim”, que significa: “ser duplamente frutífero” ou “ser frutífero uma segunda vez”. Isso é revelador e muda toda a percepção do “milagre”.

Mas tudo se inicia, no alegre e empolgante retorno dos alunos, que procuram seu mestre, para lhes contar como foram bem-sucedidos em sua missão. Aparentemente alheios aos acontecimentos da morte de João Batista, eles queriam falar ao mestre, de seus sucessos, de suas vitórias, de seus milagres. O texto revela que muita gente estava com eles “a ponto de eles não terem tempo para comer”. Essa menção pode nos levar a entender que ELES ESTAVAM COM FOME. E Jesus os chama para longe da multidão, para que eles pudessem conversar e comer algo. Se isso for verdade, como creio que é, havia comida para eles comerem e Jesus queria que eles se alimentassem com tranquilidade.

Mas essa tranquilidade não foi “encontrada”, esse “lugar tranquilo”, não existiu. Ao contrário, as pessoas famintas do novo, com fome das palavras de Jesus, nunca os deixavam sossegados. O texto diz que o Mestre se compadeceu deles, mas os alunos – seguindo o que está no texto de Marcos – estão com fome e dizem ao Senhor que aquela multidão também estava com fome e que deveria ser mandada de volta para casa, para procurarem o que comer pelo caminho. Mas Jesus sente tanta compaixão daquelas pessoas, que os compara a “ovelhas sem pastor”.

Uma “ovelha sem pastor”, é um animal completamente desprotegido, sem ninguém para lhe providenciar comida. Basta lermos o Salmo 23, onde David compara-se a uma “ovelha com pastor”, e por isso, é cuidada, alimentada e protegida. Mas as relações entre esse episódio de fome e o Salmo 23, não ficam por aqui, elas seguem até o fim, até o “... preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários...”. Adversário é aquele que tenta impedir que “eu” chegue ao “meu” objetivo. O objetivo dos alunos de Jesus era COMER, era achar um lugar onde comer com seu mestre, encontrar um lugar tranquilo, distante de tanta gente, distante de tantos pedidos, longe da multidão. Então, “mandar embora”, “despachar”, “mandar pra longe”, “afugentar”, “despedir”, (...) era tudo que eles queriam que Jesus fizesse. Afinal de contas, aquelas pessoas – tão famintas quanto eles – estavam impedindo que eles comessem tranquilos.

Mas não é assim que Jesus faz. Ele diz aos famintos alunos “... dai-lhes vós de comer...”. Que ordem louca, que ordem mais insana. A resposta vem no tom: “... nós devemos gastar nosso dinheiro para comprar pão para dar para eles?”. Mas a ordem continua: “dai-lhes vós de comer!”. Jesus não pediu que eles “dessem” o que não possuíam, Ele disse para que seus alunos REPARTISSEMchalaq – uns com os outros, um pouco do que tinham para comer.

Esse episódio – pão como comida – me faz lembrar do episódio da “tentação de Jesus”, onde o adversário pede que Jesus transforme pedra em pão. Pão – lechem – , é alimento para ser dividido, comida para ser repartida. A resposta de Jesus é fantástica: “... não é só pão que alimenta o homem, ele – alimento – também provém da palavra – ordem – de Deus.”. E qual seria essa “palavra”? Com certeza não é a Bíblia, mas o que está contido nela. A ordem que ela contém, sua máxima instrução para o “alimento” do ser humano, é: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.” Marcos 12:30 e 31.

Amar ao próximo, cuidar do próximo, isso é amar a Deus. Naquele momento, “alimentar a multidão” era a maior expressão de amor que Jesus ordenava que seus alunos praticassem. Mesmo com fome, eles deveriam dividir o pouco de comida que possuíam uns com os outros e ensinar – na prática – a multidão. Mas eles não entenderam. Estavam com tanta fome que não puderam pensar em ninguém, só neles mesmos.

Mas Jesus intervém e continua o ensino perguntando: “... o que vocês têm para comer?”, e eles respondem sem titubear: “... cinco pães e dois peixes ...”. Estava de bom tamanho. Era só isso que Jesus precisava para ensinar CHALAQ – para todos eles. Agradecendo ao PAI, ao Todo Poderoso, que faz com que a chuva regue a plantação do justo e do ímpio, e o sol brilhe sobre os homens de coração bom tanto quanto brilha sobre os homens de coração mau, Jesus REPARTE a comida com seus alunos, eles uns com os outros, e todos da multidão uns com os outros.

É difícil aceitar o desmonte do “milagre da multiplicação”. Somos todos alunos de Eusébio de Cesaréia, não sabemos ler, fomos influenciados pela titulação errada de um homem bem intencionado que trocou “DIVIDIR” por “MULTIPLICAR”.

Crer na “multiplicação” dos pães é ser egoísta. A “multiplicação” é a tentativa humana de continuar de barriga cheia, pedindo a Deus que nos dê mais para podermos dar. Coisa que nunca acontece, porque quanto mais temos, mais queremos. Acreditar no “milagre da multiplicação” é viver a teologia da prosperidade, onde “o que é meu é meu e o que é teu é teu”. Viver o “milagre da multiplicação” é negar o amor ao próximo.

Esse amor, tão decantado e pregado por todos, como a máxima da vida com Deus, manifesta-se na verdade do MILAGRE DA DIVISÃO. Dividir é tirar do meu, é dar do que tenho, é partilhar o que possuo, é ajudar a quem não tem. ISSO É MILAGRE. Esse milagre não é externo, esse milagre é INTERNO, é ÍNTIMO, é MEU. Quando “você” se divide, é “você” quem vai como doação, quando “você” se divide, é “você” que se torna dádiva. Viver o MILAGRE DA DIVISÃO é praticar “o que é teu é teu, e o que é meu é teu”.

Defendo que Jesus não “multiplicou” mas, “dividiu”. Ensinou a dividir, dividindo. Ensinou a amar, amando. Ensinou, fazendo.

Depois que todos – que a multidão – dividiram o que tinham uns com os outros, sobram 12 cestos cheios de comida – pão e peixe. Se nos alimentamos uns aos outros, se cuidamos uns dos outros, se amamos uns aos outros, nos tornamos filhos de Deus.

Quando David recebe do seu Pastor a mesa farta – cheia de comida – , não é para o castigo “dos que não tem o que comer”, é para que ele – David, eu e você – reparta essa comida com os adversários. Só assim, “nosso cálice” de bondade transborda e o olhar misericordioso do ETERNO, nos seguirá, nos socorrerá, TODOS OS DIAS DA NOSSA VIDA. Só mora na Casa de DEUS, quem é capaz de alimentar, ajudar, cuidar, a todos que batem na porta da CASA DO SONHOR!

Essa é a verdade no texto, essa é a verdade dos fatos.

Pense nisso. Divida seu pão, seja ele qual for.

Deus lhe abençoe.

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Observação: No texto de Marcos, o primeiro evangelho a ser escrito, não existe a figura do menino com seus “cinco pães e dois peixinhos”; essa descrição é encontrada no evangelho de João (João 6:1 a 14). Em Marcos Jesus pergunta aos seus alunos o que ELES teriam para comer.

sábado, 8 de março de 2014

O DESEJO, A VINGANÇA E OS HOMENS SEM CABEÇA.



O artigo de hoje, trata de assunto aparentemente irrelevante para a crença hodierna. Poderíamos nos perguntar: o que tem haver um profeta decapitado, com o ensino de Jesus? A resposta primitiva seria: Nada! Porém nada que está nos textos sagrados é “nada”, tudo tem sua importância e essa “porta” precisa ser encontrada e aberta para que possamos aprender com esse ensino. Portanto deixarei minhas impressões sobre o texto.

Continuando o Estudo do Livro de Marcos...

“Enquanto isso, o rei Herodes ouviu falar dessas coisas, porque a reputação de Jesus havia se tornado bem conhecida. Algumas pessoas diziam: ‘João, o Imersor, ressuscitou dos mortos; por isso, operam nele poderes miraculosos’. Outros diziam: ‘Ele é Elias’. E ainda outros afirmavam: ‘Ele é um profeta, como os antigos profetas’. Mas quando Herodes ouviu essas coisas, disse: ‘João, a quem decapitei, ressuscitou!’.

O próprio Herodes ordenou a prisão de João, que o amarrassem e colocassem na prisão, por causa de Herodias, mulher de Filipe, seu irmão. Herodes havia se casado com ela, mas João lhe dissera: ‘É uma violação da Torah você se casar com a mulher de seu irmão’. Por isso, Herodias o odiava e queria matá-lo. Mas não podia fazê-lo, porque Herodes tinha medo de João e o protegia, por saber que ele era um justo, um homem santo. Sempre que o ouvia, ficava profundamente abalado; mesmo assim, gostava de ouvi-lo.

Finalmente a oportunidade chegou. Herodes ofereceu um banquete aos nobres, oficiais e homens importantes da Galileia, no seu aniversário. Quando a filha de Herodias entrou e dançou, agradou a Herodes e aos convidados. O rei disse à jovem: ‘Peça o que quiser, e lhe darei’. E prometeu a ela: ‘Seja o que for que me pedir, eu lhe darei: até a metade do meu reino’. Ela saiu e perguntou à mãe: ‘Que pedirei?’. Ela respondeu: ‘A cabeça de João, o Imersor’. A jovem voltou imediatamente ao rei com o pedido: ‘Desejo receber neste mesmo instante, em uma bandeja, a cabeça de João, o Imersor’. O rei ficou estarrecido, mas, por causa da promessa feita perante os convidados, não quis descumprir a palavra dada à jovem. O rei enviou imediatamente um soldado de sua guarda pessoal com ordens para trazer a cabeça de João. O soldado foi, decapitou João na prisão, trouxe sua cabeça em uma bandeja e entregou à jovem, e esta a deu à sua mãe. Quando os alunos – discípulos – de João ouviram isso, vieram, levaram o corpo e o colocaram em um túmulo.” Marcos 6:14-29

Esse é um relato macabro. A história contada acima, mostra como podemos ser maus. O relato encontrado no evangelho de Marcos revela quanta maldade podemos fazer, quando colocamos nossos desejos ou nossa vingança acima da razão. Continuando na linha proposta para esse estudo, observo de forma não literal os relatos dessa história macabra.

O texto se inicia com um “Enquanto isso...”. Esse “enquanto isso” é exatamente o ensino da vida pacificada pelo retorno ao cuidado mútuo. O ensino que estava sendo espalhado por todos os lados, na boca e na vida dos alunos de Jesus, segundo o texto, teria chegado ao conhecimento de um rei Herodes. Possivelmente Herodes Antipas, filho do rei Herodes, o Grande, construtor do grande templo. Esse Herodes, estava vivendo com a mulher de outro Herodes, seu meio-irmão Felipe. Essa relação ilícita havia sido denunciada pelo profeta João, primo de Jesus.

Quando as notícias chegaram ao conhecimento daquele Herodes, ele se inquietou e afirmou que Jesus seria a encarnação de João, ou como propõe o texto em português, o próprio João ressuscitado. É possível perceber o temor alegre de Antipas que viu nuanças semelhantes entre João e Jesus. Temor porque ele, Antipas, havia mandado decapitar João, e na mente doentia de um rei sem cabeça, o profeta poderia vir para “lhe buscar”; alegria pois mesmo tendo assassinado João, ele iria ouvir novamente as admoestações do – quem sabe – amigo profeta.

Creio que Herodes mantinha João preso para poder ouvir em particular o que Deus falava por meio do dele, e não somente porque suas palavras fossem ditas em “praça pública”. Herodes tinha ao seu alcance a voz do profeta. Esse parece o comportamento de muitas pessoas que frequentam os templos hoje em dia. Vão lá somente para “apanhar”; frequentam anos a fio, se “arrependendo” dos mesmos “pecados”; passam a vida toda pedindo perdão pelos mesmos erros. Se parecem em muito com esse Herodes. Talvez essa seja a lição que podemos tirar do episódio de Herodes estar mantendo João preso. Essa relação adoecida onde o homem de Deus cutuca a ferida do pecador, vem desde o tempo de João e Herodes.

Se observarmos com atenção, a enfermidade sexual de Herodes vai além da mera relação libidinosa e extraconjugal com a mulher de seu irmão Felipe. Ela passa pelo masoquismo, e isso se reflete na relação adoecida com João. Mesmo sabendo-se um degenerado, o rei gosta de sofrer ao ouvir o vociferar Divino, proveniente da boca do profeta, e por mais estranho que pareça, João participa dessa relação ativamente por não deixar de falar contra os atos libidinosos do rei.

Para podermos entender o que estava acontecendo e porque o profeta João estava se intrometendo na vida do rei, é preciso dar uma rápida olhada na história. Não é meu interesse fazer um estudo histórico sobre os herodianos, quero apenas fazer algumas ligações históricas, para que possamos entender o grau de loucura da família dos Herodes.

Após a Morte de Herodes o Grande, o imperador César Augusto, dividiu o reino entre três de seus filhos: Herodes Arquelau governou Judéia, Samaria e Iduméia; Herodes Antipas, governou Galiléia e Perea; Herodes Filipe II governou Betânia, Gaulanítide, Traconites e Auranítide. Com uma de suas esposas, Mariane, Herodes o Grande teve duas filhas, Salimpsios e Cipros, e dois filhos, Alexandre e Aristóbulo IV. Esses quatro filhos ficaram órfãos logo cedo, após seu pai enlouquecido, ter matado sua mãe sob a acusação de adultério. Posteriormente, os dois irmãos também foram mortos pelo próprio pai sob a acusação de rebelião. Porém antes da morte, Aristóbulo IV, casou-se com uma mulher chamada Berenice com quem teve cinco filhos: Herodias, Herodes de Calcis, Herodes Agripa I, Aristóbulo V, e Mariana. Herodes Antipas, o assassino de João, também filho de Herodes o Grande, havia nascido aproximadamente em 20 a.C., e estima-se que ele poderia ter entre 48 e 52 anos, quando João foi morto. Já Herodias, sua meia-sobrinha, e pivô da morte do profeta, possivelmente tenha nascido em 15 a.C., e teria, na época, entre 39 e 45 anos. Salomé, sua filha com Herodes Felipe, meio irmão de Antipas, poderia ter entre 18 e 24 anos quando foi desejada pelo tio-avô.

O que salta aos olhos de quem lê a história narrada nas linhas do evangelho de Marcos, é o ódio que Herodias sente pelo profeta. Sem conhecer a história fica difícil entender o motivo de tamanho ódio, mas depois de saber minimamente quem era Herodias e como pode ter sido sua vida, parece menos difícil perceber os motivos que deixaram aquela mulher enlouquecida com a intromissão de João em seu relacionamento com Antipas. Ela era filha de Arquelau IV, filho revoltado com o pai e por esse motivo, fora morto junto com o irmão. A menina Herodias deve ter assistido o estrangulamento do pai, por ordem do próprio avô. Não é difícil imaginar que ela pode ter ido até o avô pedir pela vida do pai, pedido que não fora atendido. Da mesma forma que seu pai, Herodias deve ter crescido nutrindo ódio contra toda e qualquer autoridade herodiana. Seu pai cresceu nutrindo o mesmo ódio contra o pai Herodes, por ter assassinado sua mãe. A filha parece crescer com o mesmo ódio.

Para mim é fácil presumir que o trabalho da vida de Herodias era destruir a família dos Herodes, acredito que seu “divórcio” de Herodes Felipe, se deu por ela ter conseguido fazer fracassar a vida política do marido, que segundo a história, tornou-se uma pessoa indesejada pelo império Romano. Ainda segundo essa linha de pensamento, aproximar-se de outro filho do grande Herodes para destruí-lo era um plano obvio para quem respira a vingança. Não é difícil ver na história essas situações de vingança, onde os “vingadores” usam os próprios filhos como instrumento para a vingança. Parece que não foi diferente nesse episódio. Diz o texto que “... finalmente a oportunidade chegou.” Porque “Herodes ofereceu um banquete aos nobres, oficiais e homens importantes da Galileia no seu aniversário”. Que melhor oportunidade?

Mas qual o motivo de tanto ódio direcionado ao profeta João? Quem sabe, as admoestações do profeta não estivessem tirando Antipas das mãos de Herodias? Quem sabe as admoestações de João não viessem a salvar a vida daquele Herodes, da vingança planejada por Herodias? São conjecturas plausíveis.

Seja como for, o que importa, é que naquele momento, a enfermidade sexual da família herodiana foi o instrumento usado por aquela mulher com sede de vingança. Sua filha, Salomé, dançou e encantou ao tio-avô. A tradução do texto é purista; o original está carregado de libido; o desejo do tio-avô Antipas, era possuir sexualmente a sobrinha-neta, e em troca desse prazer ele ofereceu até a metade de seu reino. Tudo certo, tudo como o combinado; depois de se embebedar com o vinho e com o desejo pela filha de sua mulher o rei descabeçado abre a guarda e promete até o que não tem, promete o que não lhe pertence e a promessa foi aceita. Depois de ouvir o conselho da mãe sobre o que deveria pedir, ela exige e a cabeça pensante do profeta João, o imersor. Aquele que batizava, aquele que identificava as pessoas com o rumo que elas deveriam tomar, aquele que marcava com água a nova direção de vida, aquele que ungia a cabeça dos redimidos pelo arrependimento. Com a cabeça de João, viriam seus olhos que tudo viam, sua boca que tudo falava.

“Tudo, menos a vida de meu profeta de estimação”, pode ter pensado ou cochichado consigo mesmo o rei descabeçado. Mas não havia o que fazer, não havia como dizer “não”. Imagino que todo o desejo, toda a virilidade do rei deve ter se esvaído como o sangue do profeta. Não havia mais virilidade, não havia mais desejo, só havia a consumação do plano destrutivo de uma mulher adoecida pelo sexo, que adoece quando não é mantido sob controle. A vingança muitas vezes vem nos braços dos amantes sexuais, que envenenam com beijos e carícias. Foi assim com Herodes Antipas, é assim com qualquer um que não põe em Deus e nas suas Leis o seu prazer.

A história conta que depois de Jesus ter sido condenado a morte, Herodias fez com que Antipas fosse até Roma, requerer o reinado sobre a Judeia. Esse fato teria desgostado ao Imperador, causando a destruição política e posterior morte de Antipas. Mais uma vitória para o plano de vingança de Herodias.

E hoje, como aplicar os ensinos contidos nesse texto aparentemente estranho a nossa religiosidade? Por enquanto, vejo algumas:

1) Todas as vezes que os desejos prevalecerem sobre a razão, alguém perderá a cabeça;
Não é difícil entender isso, basta olharmos o noticiário, onde famílias são destruídas por pessoas descabeçadas, que não conseguiram controlar sua libido e buscaram o prazer com outra pessoa que não seus respectivos cônjuges.

2) Todas as vezes que um profeta de Deus mantiver um relacionamento com alguém sexualmente enfermo, ele irá perder a cabeça;
Nem precisa ser um relacionamento físico, basta ser qualquer relacionamento que não tenho diretrizes definidas pelo sacerdote. Todos nós sacerdotes, somos tentados a servir de salva-vidas para pessoas com problemas sexuais, mas esquecemos que muitas vezes podemos passar de “salvadores” à “náufragos”. Não há como brincar com fogo sem ser queimado por ele. Todas as vezes que um sacerdote não tiver seu foco no objetivo de Deus ele irá perder a cabeça, a família, o ministério, a moral. Só não a salvação, mas recomeçar sempre é mais difícil que resistir. Nesses momentos, é melhor dizer o que Jesus disse: “...vai, larga tudo e me segue...”. Se não for assim, “cabeças vão rolar”.

3) Sempre que nosso sentimento de justiça for maior que o senso de justiça Divina, iremos pedir a cabeça de alguém e nesse momento, a nossa irá junto para a bandeja;
Nos dias de hoje, nosso justicismo está à flor da pele. Não aceitamos mais tanta injustiça, tanto comportamento injusto, tanto comportamento leviano, bandido, desrespeitoso. Estamos cheios de tanta roubalheira e isso tende a nos fazer justiceiros. Seja agindo, seja influenciando por palavras ou textos. Mas a atitude correta, está no caminho do meio. Nem “sangue de barata” nem “sangue nos olhos”. Precisamos agir de forma divina, entregando a Deus nossas ansiedades porque ele tem cuidado de nós. Sem isso, nossa cabeça vai para a bandeja (...) .

4) Sempre que nos acharmos os “donos da verdade”, estaremos sendo sepultados, mesmo que sejamos reconhecidos por muitos como boas pessoas.
Na mesma esteira do justicismo, estão os “donos da verdade”. Aqueles que acham que sabem de tudo, aqueles que se acham os melhores, aqueles que se julgam insubstituíveis. Esses são sepultados por seus seguidores, por seus admiradores, que por não saberem quem são, rapidamente trocarão de ídolo. Quem não sabe quem é, pensa ser algo maior do que realmente é. Esses são os sepultados sem cabeça e serão esquecidos.

5) Sempre que nosso desejo de vingança for maior que nossa razão, estaremos dançando para os mercadores de emoções, que nos oferecerão seus reinos, se nos ajoelharmos em adoração ao ódio e à vingança.
Aos vingadores fica somente o aviso: o tentador, o príncipe do século, o senhor da maldade estará sempre disposto a oferecer não só a metade, mas todo o seu reino, toda a sua riqueza, tudo que diz possuir para ver você bebendo do acre-doce vinho da vingança. Não é fácil, mas é melhor esperar a vingança de Deus. Se você acredita na palavra d’Ele, leia: “A VINGANÇA PERTENCE A DEUS ...” Romanos 12:19; Hebreus 10:30.

Enquanto os alunos de Jesus espalhavam a semente da vida que cuida, Herodes perdia a cabeça por desejar a sobrinha-neta e possuir a sobrinha. Enquanto a vida vinda por Jesus era plantada com autoridade dos que sabem quem são, Herodias arrancava a vida do profeta que mantinha viva a vida do rei. Enquanto Jesus curava, Herodes matava.

Concluindo, peço que você tenha a coragem de rever seus valores, seus comportamentos, seus pensamentos, seus desejos, seus ódios, suas vinganças, seus amores, seus prazeres, (...). Não se deixe enlouquecer nem pelo desejo, nem pela vingança. Caso contrário, todos perderão a cabeça.


Deus lhe abençoe.

domingo, 2 de março de 2014

UM POR TODOS. TODOS POR UM.



Continuando o estudo do evangelho de Marcos ...

“...Jesus passou a percorrer os povoados circunvizinhos, ensinando.
Chamando os Doze, começou a enviá-los de dois em dois, dando-lhes autoridade sobre os espíritos impuros.  E lhes disse: ‘Não levem nada para a viagem, a não ser um bordão. Nada de pão, saco de viagem, dinheiro no cinto; calcem sandálias, mas não levem uma camisa extra. Sempre que entrarem em uma casa, fiquem ali até partir; e se as pessoas de algum lugar não os receberem e se recusarem a ouvir vocês, então, quando saírem de lá, sacudam a poeira dos pés, como advertência contra elas’.Eles saíram e pregaram ao povo que abandonassem o pecado e voltassem para Deus, expulsaram muitos demônios, ungiram diversos doentes com óleo e os curaram.” Marcos 6:6 a 13

Depois de ter se admirado com a falta de confiança de seus familiares, em si mesmos. Jesus passou a ensinar nas cidades próximas a Cafarnaum, onde morava. O texto é claro ao afirmar que ele “... passou a percorrer os povoados circunvizinhos, ensinando”. Não foi pregando, não foi expulsando demônios, nem fazendo milagres. Foi ensinando.

O ensino, por si só, tem muitos poderes. Quando iniciou seu ministério de Ensino, Jesus, ao ensinar a verdade que liberta, causou uma tempestade interna em um de seus ouvintes religiosos. O texto de Marcos 1, dos versos 21 ao 27, mostra que esse ouvinte religioso, possivelmente um escriba cheio de inveja e ciúmes, manifestou toda sua impureza espiritual. Leia o texto:
“Foram a Cafarnaum, no sábado – shabbat – , Jesus entrou na sinagoga e começou a ensinar. Todos ficaram maravilhados com seu modo de ensinar, porque não lhes instruía como os mestres da Torah, mas como quem possui autoridade própria.
"Na sinagoga deles, naquele momento, estava um homem com um espírito impuro, que gritou: ‘O que você quer de nós, Jesus de Natzeret? Você veio para nos destruir? Sei quem você é o Santo de Deus!’. Mas Jesus repreendeu ò espírito impuro: ‘Cale-se e saia dele!’. O espírito impuro sacudiu o homem violentamente e saiu dando um grito bem alto. Todas as pessoas ficaram tão admiradas que começaram a perguntar umas às outras: ‘O que é isto? Um novo ensino apoiado com autoridade! E dá ordens até aos espíritos impuros, e eles lhe obedecem!’.” Marcos 1:21 a 27
Mesmo que no texto de Marcos não hajam relatos escritos de curas e livramentos, isso está implícito, pelo simples fato de encontrarmos em passagens anteriores – no livro de Marcos – que o ensino tem o poder de curar e libertar uma pessoa. O finalzinho do verso 6, mostra para todos que leem com honestidade, que o ministério de Jesus era ENSINAR. E é exatamente para isso, que ele distribui seus alunos – discípulos – aos pares, “...dando-lhes autoridade sobre os espíritos impuros...”.

Etimologicamente falando, a palavra autoridade significa “fazer crescer, aumentar”, pois é originada no termo latino “AUCTUS”. No hebraico o termo é “shalit”, “aquele que domina”. Jesus enviou seus alunos para provarem suas próprias qualidades, para saber se dominavam o conhecimento ensinado por ele. Era esse conhecimento que lhes daria “shalitan”como está no texto hebraico – domínio sobre as situações.

Mas esse domínio, essa autoridade, esse poder de “controlar” as coisas, era proveniente de si mesmos, do conhecimento que possuíam sobre si mesmos. Parece que Jesus estava aplicando a máxima do auto conhecimento “... seu eu sou eu porque eu sou eu, então eu sou eu; e posso conversar com qualquer pessoa.” A autoridade que Jesus estava dando aos seus alunos não era externa, mas interna, o auto conhecimento, saber quem realmente eram. Com base no texto, creio que o Mestre também tenha dado uma “mãozinha” externa para que seus alunos pudessem iniciar sua caminhada, sozinhos.

A “vara”, ou “bordão” de que fala o texto, possui, dois significados, o primeiro deles é para quem carrega o “bordão” ou a “vara”; ela representa “estar esvaziado de si mesmo” – sem dinheiro, sem comida, sem roupa extra, nada além da “vara”. No texto hebraico a “vara” é “maqqel”, e tem sua raiz em “baqaq”, que é "ser esvaziado". Por sua vez para quem recebia os alunos de Jesus com suas varas – esvaziados de si mesmos – via em suas mãos um “shebet”, um “bordão” que significava “aquele que tem autoridade em si mesmo”.

Quem sabe quem é, não precisa pedir para entrar, é recebido; e se não for recebido, não tem problema, deve seguir seu caminho, assim como Jesus seguia o dele mesmo tendo sido menosprezado por sua família. Bater a poeira dos pés é seguir em frente, deixar para trás todos que não sabem quem são. Essa afirmação parece estranha ao ensino da salvação, mas não é. Jesus não pode salvar quem não o recebe de bom grado, quem não o alimenta, não o veste, não o visita enfermo, não o visita prisioneiro. Naquele episódio, Jesus ERA seus alunos. Receber os alunos de Jesus era receber o próprio Jesus.

Mas quem “carrega” a autoridade de Jesus, precisa “carregar” Jesus em si mesmo. Não pode haver outra coisa além do “bordão”, do apoio, da muleta que é a autoridade DE Jesus em nós.

Quando isso acontece, quando essa conversão ocorre, quando deixamos o que nos sustenta fora de nosso caminho, e seguimos apoiados no ensino de Jesus, Sua autoridade passa ser a nossa autoridade. A qualidade dele passa ser a nossa qualidade. Assim, podemos expulsar todo e qualquer pensamento, sentimento, comportamento impuro; de nós e dos outros. Os espíritos impuros que nos atormentam são expulsos com autoridade que vem da nulidade – mas não da anulação. A autoridade que temos – ou devemos ter – vem de ensinar quem somos na companhia do Salvador. Nossa autoridade vem da salvação diária, do conhecimento de nós mesmos, de sabermos que não somos nada além de nós. Nosso bordão é Jesus, nossa autoridade, nosso apoio.

Mas não adianta andar de cajado, de vara, de bordão se o coração está cheio de orgulho, prepotência, vaidade, doutrina, religião, (...). Não levar nada na viagem é ser nada, é confiar em Deus somente, é saber que Ele alimenta o passarinho da mesma forma que nos alimenta. Se agirmos confiando que DEUS é o SUPREMO SENHOR, nossas mãos irão curar, nossas palavras irão acalmar aos que nos ouvem. Nossa presença irá abençoar – trará Shalon – para quem nos receber, nos ouvir e nos alimentar.

***

Ser enviado por Jesus para ensinar a Verdade não é tarefa fácil. Deixar tudo, emprego, renda, benefícios, (...), e viver confiando na misericórdia, proveniente confiança dos que nos ouvem – e leem – que realmente somos enviados de Salvador, viver esperando dia-a-dia, que esses que nos ouvem, que nos veem de muleta, apoiados na autoridade que nos foi dada pelo Senhor, nos ajudem com comida, roupa, recursos – não é fácil. Eu sei que não é.

Não ser um vendedor do evangelho é para os fortes.
Quem tem ouvidos para ouvir e olhos para ler. Que o faça.


Deus lhe abençoe.